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Sábado, 27 de abril de 2024

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Sirk e seu retrato do criador da Solução Final no nazismo

No Dicionário de Cinema, Jean Tulard define o primeiro longa que Douglas Sirk realizou nos EUA como extraordinário e lamenta que a fama de O Capanga de Hitler tenha sido ofuscada por Os Carrascos Também Morrem, de Fritz Lang, sobre um tema similar.

O próprio Sirk conta, no livro com a entrevista que deu a Jon Halliday, como foi complicado fazer o filme sobre Reinhard Heydrich. Coincidência ou não, o longa sobre o sanguinário supervisor de Adolf Hitler para a solução final da questão judaica foi resgatado em DVD pela Cult no momento em que sua biografia – O Carrasco de Hitler, de Robert Gerwarth – chega às livrarias pela Cultrix.

Filho de um famoso compositor – Bruno Heydrich –, Reinhard desfrutou de uma infância e adolescência privilegiadas. Teve tudo – cultura, estabilidade, refinamento. O livro tenta dar conta do que o teria levado a se transformar numa figura tão sinistra que os adjetivos mais comumente usados sobre ele são ‘diabólico’ e ‘deus da morte’. Sirk conheceu o nazista brevemente e se utilizou disso no filme. Antes de virar, na empresa Universal, nos anos 1950, o rei do melodrama – alguns críticos o chamam de ‘príncipe’ –, o cineasta, emigrado para os EUA, fez filmes de diversos gêneros. Westerns, gângsteres, até comédias.

Na Alemanha, Goebbels havia tentado fazer dele um dos delfins do nazismo no cinema, graças, especialmente, ao prestígio de seus filmes com a lendária Zarah Leander – Zu Neuen Ufern/Recomeçar a Vida e La Habanera, ambos de 1937. Sua fuga daria um filme.

Primeiro, ele deixou o país a pretexto de procurar locações no exterior. Por garantia, o regime não lhe concedeu passaporte e sua mulher permaneceu na Alemanha. A volta tranquilizou as autoridades, que concederam à mulher de Sirk autorização para viajar à Itália. De novo alegando motivos profissionais, ele foi encontrá-la em Roma. A Itália vivia sob o fascismo, e Benito Mussolini era aliado de Hitler. As chances de fuga eram limitadas. Sirk simulou uma doença e se internou num hospital.

Lembram-se da freirinha que provoca a pane do carro quando os nazistas tentam perseguir a família Trapp no musical A Noviça Rebelde? Houve uma freirinha – enfermeira – que manteve as mãos de Sirk fervendo numa bola d’água e ainda fraudou a febre no termômetro quando o emissário de Hitler apareceu no hospital. Sirk foi para o isolamento e, de lá, conseguiu fugir através da França e da Holanda. Em Hollywood, foi contratado pela Columbia, mas Harry Cohn não o deixava dirigir. Surgiu a chance de fazer O Carrasco de Hitler, rebatizado como O Capanga de Hitler. A produção independente foi feita com pouquíssimo dinheiro, em apenas uma semana.

Era pegar ou largar. Sirk topou, e fez o filme num estilo documentário que lhe parecia adequado para a história do atentado contra Heydrich, em Praga, e a brutal reação alemã, que promoveu execuções em massa para vingar o favorito do führer. A Metro adquiriu o filme pronto, mas, em vez de lançá-lo imediatamente, Louis B. Mayer exigiu que cenas fossem refilmadas – e não mais no estilo documentário. A esta altura, a versão de Lang, feita depois, já chegara aos cinemas e O Capanga pareceu requentado. Os críticos também implicaram com John Carradine no papel, mas isso Sirk não aceitava.

Dinamarquês – seu nome era Detlef Sierck – radicado na Alemanha, ele cursou, quando jovem, a mesma academia naval em que Heydrich iniciou a carreira. Anos mais tarde, encontraram-se socialmente numa recepção na UFA, o grande estúdio alemão, e o militar quis conhecer o diretor. Sirk contava que se impressionou com a teatralidade de sua postura e da tensão que emanava dele. Era muito nervoso ao falar. John Carradine processou essas informações e está perfeito. O próprio filme, apesar das interferências de Louis B. Mayer, não perdeu as força e será uma surpresa para quem só conhece o diretor pelos melodramas.

O CAPANGA DE HITLER
Título original: Hitler’s Madman.
Direção: Douglas Sirk (EUA/ 1943, 84 min.).
Distribuição: Cult Classic (R$ 29,90).
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