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Domingo, 28 de abril de 2024

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"Camille Claudel 1915" ganha autenticidade com Juliette Binoche

Um feliz encontro entre a visceralidade da atriz Juliette Binoche e o despojamento do diretor Bruno Dumont ("A Vida de Jesus", "A Humanidade") dão origem a uma nova e impactante cinebiografia da escultora Camille Claudel (1864-1943) em "Camille Claudel 1915". O filme estreia em São Paulo e Rio de Janeiro.

Como que dando uma sequência inteiramente diferente a "Camille Claudel", de Bruno Nuytten (1988), que retratava a juventude da artista, vivida por uma incandescente Isabelle Adjani, o filme de Dumont encontra sua protagonista em 1915, quando completava dois anos de internamento depois de uma crise nervosa, depois da ruptura com o escultor Auguste Rodin.

A grande qualidade de Dumont é sintonizar a passagem do tempo exatamente como ele é vivido por uma Camille na meia-idade, já quebrada pelo isolamento e pela perda de suas referências afetivas e familiares, bem como privada de seu principal elemento da expressão, sua arte.

É como se o filme colocasse o espectador nos ombros de Camille, espiando sua vida com os olhos dela. Tristes olhos, que não param de chorar. E têm motivos para isso.

O naturalismo extremo de Dumont serve bem à história, assim como a arriscada decisão de incorporar reais pacientes com doença mental, ao lado de enfermeiras ligadas a um projeto de terapia através da arte. Estes doentes, que nunca são mostrados de maneira desrespeitosa, interagem naturalmente com Camille, enfatizando sua singularidade e delineando mais um motivo de seu desespero.

Camille não tem porque continuar ali e até o médico (Emmanuel Kauffman) acha que seria o momento de atender ao seu veemente desejo de sair, de voltar à arte, por mais que fique claro que ela sofre de mania de perseguição, fazendo sua própria comida por um alegado temor de ser envenenada.

É singular como o filme constrói o segundo personagem mais importante, Paul Claudel (Jean-Luc Vincent). O irmão de Camille, responsável por sua internação e pela decisão de mantê-la reclusa, emerge deste retrato como um moralista carola, rígido, ensimesmado, que parece punir a irmã por seus "desvios", como sua conduta liberal e ter praticado um aborto quando vivia com Rodin.

Confrontando os irmãos na sequência final, o filme de Dumont situa muito bem esse desequilíbrio de poder entre os sexos, assim como o contexto de uma época em que mesmo uma mulher como ela não poderia escapar aos rigores de uma moral enrijecida por preconceitos, por mais que em 1915 já existissem a psicanálise, o cinema, o automóvel e o avião.

O século 20 engatinhava, tropeçando nos escombros do século anterior. Camille, que viveu internada por 30 anos, até morrer em 1943, não aproveitaria nenhum dos progressos de seu tempo, que vicejavam fora dos muros em que a segregaram.
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