Quando começou a produzir os próprios queijos, o médico Silas Vicente, de 46 anos, procurava uma forma de se distrair enquanto ele, a esposa Larissa Berté Barbosa e os filhos viviam a incerteza dos primeiros meses de pandemia da covid-19, enquanto estavam isolados na fazenda da família em Nossa Senhora do Livramento (a 39 km de Cuiabá), em 2020. 

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Na época, a fazenda tinha pouco mais de 40 vacas leiteiras e, por conta da pandemia, Silas perdeu o fornecedor do leite produzido por ele na “Quinta da Cartucheira”. Três anos depois, o médico e a esposa subiram três vezes no pódio da Expo Queijo Brasil 2023, considerada a principal competição de queijos da América Latina. Foram duas medalhas de ouro e uma de bronze no evento que aconteceu em Araxá (MG). 

No consultório em que trabalha como médico de segunda a sexta, os olhos de Silas ainda brilham quando ele relembra o momento em que descobriu que era um dos vencedores da premiação. “É uma emoção muito grande quando me vejo na foto com a bandeira de Mato Grosso no primeiro lugar do pódio, ao lado de uma bandeira da Itália, que é famosa pelos queijos que produz”. 

O médico já conhecia a rotina da produção de queijo frescal desde criança por conta do trabalho artesanal feito pelo pai, que é pequeno produtor de leite no Paraná. A receita do pai era replicada por Silas para fazer queijos para a família, até que em 2018, enquanto passeava na Feira do Empreendedor, em Cuiabá, decidiu fazer uma oficina sobre produção de queijos. 

“Foi o primeiro contato que tive com a técnica de fazer queijo mesmo, consegui melhorar muito o frescal que eu já estava produzindo”. Em 2020, o frescal surgiu como uma possibilidade de evitar o desperdício de leite produzido diariamente pelas vacas leiteiras da fazenda após Silas perder um comprador. 

Ele conta que produzia o frescal e a esposa fazia as entregas para amigos, familiares e conhecidos que já sabiam que Silas tinha o produto artesanal. Mas por conta do cenário pandêmico, o médico começou a achar o pequeno negócio de vendas muito arriscado. “Era perigoso ela trazer a covid-19 para nós na fazenda”. 

Queijos são produzidos artesanalmente por Silas em uma fazenda de Nossa Senhora do Livramento, onde ele faz sucesso como expositor na feira mensal. (Foto: Arquivo pessoal)

Primeiro foi o parmesão 

“Foi quando decidi fazer o parmesão, porque ele passa pela cura e pode ficar guardado durante até dois anos”, lembra Silas sobre quando começou a produzir mais uma receita de queijo. O médico explica que sempre foi “curioso” e, por isso, pesquisava sobre processos de produção de queijos em artigos brasileiros e estrangeiros. Logo ele descobriu como fazer os primeiros parmesões da fazenda. 

“Tenho um cômodo climatizado, onde coloquei prateleiras de madeira e deixo o queijo curando. Quanto mais tempo ele ficar, mais o sabor vai ficando intenso e marcante”. O parmesão foi nomeado como “Ouro da Cartucheira”. A alternativa deu certo, mas não demorou para que Silas começasse a produzir mais um queijo na fazenda de Nossa Senhora do Livramento. 

Como sempre gostou de comer queijo gouda, decidiu que essa seria a próxima receita a ser produzida. Ele conta que o resultado foi um produto de qualidade, que também passou a ser feito com o leite da fazenda. Silas não parou no parmesão e no gouda, já que logo foi surpreendido com um pedido da esposa que lhe rendeu um grande desafio: produzir um brie. 

“Minha esposa começou a pedir para eu fazer um brie para ela, na hora eu falei que não, porque são outras técnicas, são fungos, é totalmente diferente. Mas ela continuou a pedir. Um dia, ela falou sobre o marido de uma conhecida que tinha feito um brie para ela, que ele poderia me ajudar. Falei para ela que ia fazer e comecei a estudar”. 

Silas fez o primeiro queijo brie a pedido da esposa e precisou estudar muito para aprender as técnicas. (Foto: Arquivo pessoal)

Silas explica que a produção do queijo brie possui muitos detalhes específicos e, inclusive, faltam informações sobre o modo de fazer. Para conseguir fazer o queijo que a esposa tanto desejava, o médico chegou a entrar em fóruns de outros produtores de queijo e assistir vídeos de países da Europa como a Holanda. 

“Não conseguia entender nada do que eles estavam falando, mas ia parando e traduzindo. O queijo brie é muito diferente do que produzimos no Brasil, que também não é um grande consumidor de brie. Fui pegando algumas dicas, até que fiz o primeiro”. 

O pedido de Larissa rendeu o brie “Dona Branca”, nome que Silas deu em homenagem à esposa. Apesar dela ter amado o primeiro brie produzido na fazenda da família, ele confessa que não ficou feliz com o resultado. Decidido a aperfeiçoar a receita, o médico se aprofundou ainda mais nos estudos. 

Foi com o brie que agora é conhecido como “Diamante Trufado da Cartucheira”, que Silas ganhou a medalha de ouro entre os competidores da categoria na Expo Queijo Brasil 2023. Depois do parmesão, do gouda e do brie, o médico ainda começou a produzir um tipo de gorgonzola, o “Esmeralda da Cartucheira”, que também venceu em primeiro lugar. 

Silas ainda comemorou com o gouda “Rubi da Cartucheira” que foi medalha de bronze na Expo Queijo Brasil. O médico ainda se lembra do momento que descobriu que estava entre os ganhadores da competição. 

“Tinha entrado no salão para ver se meus queijos tinham chegado, mas não conseguia encontrar. Fiquei preocupado, porque tinha mandado de Cuiabá para Minas Gerais de avião e a aparência é um dos pontos avaliados. Encontrei uma das organizadoras que me ajudou, mas achei apenas o gouda. Ela perguntou meu nome e disse para eu olhar na lista de ganhadores, foi assim que descobri que três queijos meus tinham sido premiados. Emoção demais". 

Produção de leite começou com vaca do pai

A produção de leite de Silas começou com uma vaca leiteira que ele arrematou em um leilão para o pai, em 2019. Na época, ele tinha algumas cabeças de gado na fazenda, mas não conseguiu negar o presente para o pai, que se emocionou quando viu a vaca que ganhou do filho ser anunciada pelo leiloeiro. 

“Ele lembrou muito de uma vaca que ele teve quando era mais novo, até as manchas eram parecidas, não tive como não arrematar. E meu pai era doido por essa vaca, ela ficou na fazenda de Nossa Senhora do Livramento. Ele mandou até fazer um marcador do mesmo jeito que o da antiga vaca dele”. 

Gorgonzola de Silas ganhou primeiro lugar na categoria da Expo Queijo Brasil 2023. (Foto: Arquivo pessoal)

Depois, Silas aumentou ainda mais a produção de leite da fazenda quando aceitou o pagamento de 40 vacas como pagamento de cirurgias estéticas. Não demorou para que ele vendesse as cabeças de gado que tinha para investir nas vacas leiteiras. 

Quando subiu no pódio da Expo Queijo Brasil 2023, a história de como a produção de queijos começou passou como um filme na cabeça de Silas, que participou do primeiro concurso no ano passado e conquistou uma medalha de bronze com o Diamante da Cartucheira no Concurso Mundial de Queijo do Brasil, em São Paulo (SP). 

Como precisa conciliar a rotina na clínica médica e produtor artesanal de queijos, Silas atualmente faz os queijos da Quinta da Cartucheira apenas aos finais de semana e, uma vez por mês, expõe os produtos na feira de Nossa Senhora do Livramento. 

Para o futuro, o médico também sonha em idealizar um curso técnico de produção de queijos como o parmesão, o gouda e o brie para produtores de leite de Nossa Senhora do Livramento, para que eles possam ter novas fontes de renda. 

“Ver a bandeira de Mato Grosso em um concurso de queijos em Minas Gerais foi muito emocionante, já recebi muitas mensagens de pessoas interessadas em conhecer meus queijos. Até agora a ficha ainda está caindo”.