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Quinta-feira, 25 de abril de 2024

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Dark Horse: Os eternos imaturos e a geração do escapismo aos olhos de Todd Solondz

Foto: Reprodução

Dark Horse: Os eternos imaturos e a geração do escapismo aos olhos de Todd Solondz
Estagnados entre os que têm dinheiro de fato, e os que não têm, a classe média, independente de onde se situe, está esmagada entre o quase sucesso e o possível fracasso. Personagem de muitos filmes tem sido material de estudo de alguns cineastas que veem na estranha dinâmica desta classe um poço de psicopatias a serem estudadas. Todd Solondz, diretor independente americano que fez das anormalidades sociais seu projeto de estudo, tenta em “Dark Horse” traçar um panorama descompromissado sobre a sociedade do consumo e seus reflexos nos casais atuais.

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Solondz ficara conhecido pelo controverso e extremamente cítrico “Bem Vindo à Casa de Bonecas” que destrinchava a vida de uma menina comum da sétima série que luta para sobreviver e construir um caráter entre pais negligentes, colegas abusivos, irmãos indiferentes e toda uma sociedade que exige dela uma posição sobre o mundo, agora que deixava de ser criança. Seu segundo trabalho, joia da comédia séria característica dos anos 90, o premiado “Felicidade” apoiava-se novamente nas estranhas escolhas de pessoas pressionadas pelo meio em que vivem. Entre casos de assédio fetichista, pedofilia, casamentos mal resolvidos e piadas muito bem arranjadas, “Felicidade” exibia um panorama de inseguranças da classe média e sua busca por uma ascensão, emocional.


(“Bem vindo à Casa de Bonecas – 1995” “Felicidade – 1998” “Histórias Proibidas – 2000” “A Vida durante a Guerra – 2009”)

Seus filmes, que vem perdendo popularidade nos Estados Unidos tanto da crítica quanto do público, tentam buscar em críticas diretas e roupagens simples uma maneira de continuar destilando suas análises. Muito mais modesto que seu último trabalho, “A vida durante a Guerra” e seus premiados trabalhos da década de 90 “Palíndromos” e “Histórias Proibidas”, “Dark Horse” não teve lançamento oficial no Brasil e teve problemas para ser distribuído na Europa e partes da Ásia. Inédito no país desde seu lançamento em 2011, o filme pode chegar às terras tupiniquins este ano através dos serviços de streaming de filmes, como Netflix e derivados.

Acompanhamos a vida de Abe, um trintão que ainda vive na casa dos pais por não ter terminado a faculdade, coleciona brinquedos e jogos no quarto e finge trabalhar no escritório do pai, que parece preocupar-se com a vida do filho tanto quanto sua frágil mãe. Deprimido por sua vida sem grandes perspectivas, Abe decide pedir em casamento uma mulher que conhecera em uma festa. Ela por sua vez, é suicida e depressiva por terminar seu namoro com o homossexual muçulmano com quem se relacionava via internet. O casal de imaturos vê no casamento, a chave para a “idade adulta” onde as coisas supostamente deveriam dar certo, e finalmente removê-los da espiral de carências que criaram para si.



A história gravada quase como um sitcom dos anos 90, evoca o humor cítrico e a montagem onírica para tornar a história simples, sem clímax e reviravoltas em mais uma visão interessante sobre pessoas encurraladas. A montagem não linear, que sugere que em muitos momentos as coisas se passam apenas na cabeça de Abe, revelam camadas no roteiro aparentemente simplista de Solondz. Treinados para consumir e sonhar, e apenas isto, Abe e Miranda o casal principal da trama, tem como aspirações ideias bitoladas do que seria a vida adulta. Atrás da escravinha no escritório de seu pai, Abe compra colecionáveis dos Thundercats enquanto Miranda, desiludida após uma má experiência na faculdade e no mercado de trabalho, encontra no casamento, e na ilusão da “dona de casa sem responsabilidades” outra fuga da realidade.

Entre o texto sarcástico, as panorâmicas que fazem das lojas personagens da trama e dos closes que lhe tolhem a visão, favorecendo somente os protagonistas, Solondz recria com precisão a realidade de uma grande parcela de jovens adultos norte americanos, e talvez por isso conquiste cada vez menos o público por lá. Protegidos pela estabilidade estagnada da classe em que se situam, confortáveis no ninho criado pelos pais, e bombardeados com o estímulo ao consumo vazio e pressionados pela sociedade cada vez mais competitiva, homens e mulheres instáveis emocionalmente demoram cada vez mais para amadurecerem, e Abe e Miranda, interpretados com maestria por Jordan Gelber e Selma Blair, são exemplos claros disso.



O elenco que também conta com Mia Farrow e Christopher Walken sustenta com seriedade o texto absurdo e convence em cada sequência, nos confundindo no mar de expectativas que constroem para si. “Dark Horse” ao finalizar, evita uma conclusão propriamente dita, e fazendo as vezes de sitcom, escapa para a plateia, e enquanto a câmera recua, contemplamos a rotina de pessoas simples, encurraladas entre seus próprios sonhos e suas limitações. Se não é uma de suas mais ilustres produções, é pelo menos a mais pessimista delas, e dá a entender que para alguns, essa maturidade nunca vem, e assume a ideia de que a sociedade americana construída atrás destes sonhos inalcançáveis um dia se livrará das fraldas e amadurecerá emocionalmente, como seu cinema.

*Thales de Mendonça tem 22 anos, estudante de Cinema e Filosofia, trabalha com edição e criação de roteiros em São Paulo. Viciado na sétima arte, não fala de outra coisa senão filmes e seus desdobramentos na sociedade. Chato de carteirinha ama cinema asiático, filmes com banho de sangue e dramalhões pra chorar aos domingos.





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