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Sexta-feira, 26 de abril de 2024

Notícias | Cinema

Diretora Katie Mitchell apresenta em São Paulo sua versão de ‘Senhorita Julia’

SÃO PAULO — Considerada um ícone do teatro inglês desde o fim da década de 1990, Katie Mitchell, de 50 anos, é uma das pioneiras na implementação do cinema feito ao vivo, em cena. Desde a criação, em 2006, de uma adaptação para “As ondas”, de Virgina Woolf, ela e o cineasta Leo Warner vêm trabalhando em conjunto para ampliar as possibilidades de uso da captação e edição de imagens ao vivo no palco.

Em entrevista ao GLOBO, ela afirma não temer que, em seus experimentos, a linguagem audiovisual se sobreponha ao teatro, e conta que faz uso de câmeras e recursos tecnológicos justamente para potencializar a experiência teatral:

— Mostrar detalhes, expressões faciais, minúcias e sutilezas que seriam impossíveis de serem observadas da plateia. A câmera possibilita esse mergulho nos personagens, revela seus pensamentos e sensações íntimas.

Convidada da 2ª Mostra Internacional de Teatro de São Paulo, Katie — que não veio ao país por problemas de agenda — tem seu trabalho de pesquisa representado pelos atores alemães da companhia Schaubühne, com quem criou uma adaptação para o clássico “Senhorita Julia”, de August Strindberg, encenado até amanhã no Sesc Pinheiros. A montagem, de 2010, representa um estágio intermediário da técnica que ela desenvolve até hoje com a plena convicção de que o teatro não pode negar os recursos que o presente oferece.

— O teatro precisa encontrar novos caminhos como forma de arte em meio a esse mundo tecnológico — diz ela. — O teatro não pode fingir que nada está acontecendo, que a internet e as novas tecnologias vão embora uma hora ou outra. Não vão. Elas vieram para ficar, e nós, enquanto criadores, precisamos conversar com essas técnicas, discutir seu uso, criar trabalhos que permitam sua influência na forma teatral e no modo como contamos histórias.

DESCONSTRUÇÃO DA OBRA

Após criar híbridos de teatro e cinema para peças como “Attempts on her life” (2007), de Martin Crimp, e “Request programme” (2008), de Franz Xaver Kroetz, e óperas como “Al gran sole carico d’Amore” (2009), de Luigi Nono, Katie e Warner elegeram Strindberg como alvo de seus experimentos, mas com um objetivo temático específico.

— O que eu quis fazer a partir desse texto foi, por um viés feminista, criar uma desconstrução dessa obra, que é um dos clássicos da misoginia — afirma. — Eu queria dar voz à subjetividade e às percepções de um personagem específico, a cozinheira, um papel feminino que tem uma pequena função na história. Queria dar mais tempo e espaço a ela. Apresentar essa peça a partir do seu ponto de vista.

O clássico de 1887 constrói uma narrativa guiada por um jogo de poder e sexual que envolve personagens de classes sociais distintas: a aristocrata Julia, que se envolve com o seu empregado, Jean, noivo da cozinheira da casa, Cristina. É o olhar da mulher traída que Katie revela em cena.

— As câmeras possibilitam que a gente revele a subjetividade dela, suas emoções mais delicadas, sua inquietação psicológica, o que há por trás de um piscar de olhos, por exemplo.

Diretora associada do Royal National Theatre, em Londres, e da Schaubühne, em Berlim, Katie criou, com Warner, outras obras emblemáticas após “Senhorita Julia”, mas a diretora reconhece que as descobertas da fusão entre teatro e cinema estão chegando a um limite, o que torna mais difícil a tentativa de não repetir procedimentos.

— Depois de um longo percurso, talvez seja bom chegar a um ponto de conclusão dessa pesquisa. As minhas duas últimas obras, “Forbidden zone” (2014) e “Night train” (2013), são o clímax dessa mescla, porque levaram a técnica às suas máximas possibilidades, com um set de filmagem inteiro ao vivo — diz. — Mas ainda iremos criar duas obras neste ano, e uma delas é uma adaptação para “Solaris” (1972), filme de Andrei Tarkovsky. Por ser uma ficção científica, esse trabalho pode nos levar ainda mais longe e expandir as nossas possibilidades formais.

O repórter viajou a convite da MITsp
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