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Domingo, 28 de abril de 2024

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Na Turquia, mulheres lutam por aceitação no futebol

Em uma manhã recente e nublada de domingo, dois times da primeira divisão do futebol turco entraram entusiasticamente em campo, em um pequeno estádio no subúrbio de Istambul. Os turcos são torcedores muito entusiásticos de futebol, e comparecem regularmente a jogos com públicos de dezenas de milhares de torcedores fervorosos. Mas na partida em questão, travada entre o Kartalspoor, mandante, e o Gazi Universitesispor, de Ancara, havia mais gente em campo do que torcedores trêmulos de frio nas arquibancadas. 


No entanto, o frio provavelmente não era culpado pela baixa presença da torcida; o motivo mais provável da ausência de torcedores eram as pessoas que estavam em campo. Os dois times são parte da nova federação de futebol feminino da Turquia, e embora os turcos possam ser torcedores fanáticos de futebol, nessa sociedade socialmente conservadora e predominantemente muçulmana existe profunda ambivalência quanto à prática desse esporte por mulheres.

A temporada inaugural da nova liga chegou à metade dos 18 jogos programados, e por enquanto o campeonato vem sendo recebido com uma mistura de indiferença, curiosidade e ocasional hostilidade. "O futebol é visto como um esporte masculino na Turquia", disse Nurper Ozbar, 30 anos, técnica da equipe do Marmara Universitesispor, a mais conhecida equipe na segunda divisão da liga, que conta igualmente com duas divisões de juvenis.

"Já houve homens que vieram assistir aos nossos treinos e gritavam perguntando às jogadoras o que elas estavam fazendo lá, e que deveriam estar em casa cozinhando", disse Ozbar, uma das poucas mulheres credenciadas para trabalhar como técnica de futebol na Turquia, e a única que o faz em Istambul. "Será preciso muito tempo para que consigamos mudar essa atitude".

A Turquia conta com ligas prósperas de vôlei e de basquete feminino profissional. O futebol, no entanto, continua em geral a ser um esporte reservado aos homens. Em um país com 70 milhões de habitantes, existem apenas 798 mulheres e meninas registradas como futebolistas junto à Federação Turca de Futebol, a organização que administra o esporte no país. Em comparação, existem cerca de 230 mil homens registrados como jogadores junto à federação.

Para as jogadoras da liga feminina, a simples tarefa de encontrar espaço em um time pode representar desafio monumental. Deniz Bicer, meio-campista do Gazi Universitesispor, o único time de futebol feminino instalado na capital turca, Ancara, tem de viajar cerca de duas horas por dia para chegar aos treinos. "No meu bairro, porque o futebol é visto como esporte masculino, houve pressão sobre mim e sobre minha família para que eu desistisse de ser jogadora", disse Bicer, 18, depois da vitória do Gazi sobre o Kartalspor, por 3 a 1.

"As pessoas insistiam em me dizer que o jogo era para homens e que eu deveria estar mais interessada em outros esportes, mas a verdade é que o futebol é uma paixão para mim", afirmou.

A nova liga da Turquia é a segunda tentativa de estabelecer o futebol feminino no país em caráter permanente. Uma liga amadora formada por cerca de duas dúzias de equipes existiu por cerca de uma década na Turquia até que fosse fechada, em 2002, em meio a alegações de incompetência administrativa e de casos entre as jogadoras - uma ocorrência especialmente escandalosa em um país como a Turquia.

Desta vez, a federação turca parece determinada a promover a idéia do futebol como esporte para meninas e moças, apesar do ceticismo do país a respeito. "Boa parte do nosso trabalho envolve relações públicas - convencer as famílias de que meninas podem jogar futebol", disse Erden Orr, 33, o diretor de desenvolvimento de futebol feminino na federação. "Há quem acredite que jogar futebol pode prejudicar o desenvolvimento físico e a figura das jovens, e masculinizá-las", disse Orr.

"As pessoas acreditam que o futebol seja um esporte para homens, de modo que precisamos oferecer-lhes provas de que as meninas podem jogar futebol sem problemas", acrescentou Orr, cuja mulher costuma criticá-lo por jogar futebol com a filha de três anos do casal.

Ele tem viajado por todo o país, promovendo mesas redondas e debates em diferentes cidades, com técnicos e com jogadoras de futebol, e responde a perguntas de pais preocupados e de professores de educação física que resistem em recomendar ou permitir o futebol para meninas.

Quando ele descobre sobre alguma menina cujos pais a proíbem de jogar futebol, conta Orr, ele tenta telefonar para eles a fim de acalmar suas preocupações a respeito do esporte. "Se a menina realmente deseja jogar, eu telefono diretamente aos seus pais, como o pai de um potencial noivo interessado em uma noiva", diz.

Vender o futebol feminino na Turquia também, acarreta a necessidade de embelezá-lo. Um dos novos logotipos da liga mostra a mão esguia de mulher, com unhas longas e pintadas de vermelho, segurando uma bola de futebol. Na tela do computador de Orr, a imagem de fundo é uma chuteira de futebol equipada com salto agulha.

A despeito dos esforços do dirigente e de alguma assistência financeira oferecida pela federação, sobreviver é uma tarefa difícil para a maioria dos times da nova liga feminina. A mídia noticiosa em geral ignoram o campeonato, e patrocinadores são muito difíceis de obter. O Kartalspor teve de desistir de uma partida que seria realizada fora de casa, algumas semanas atrás, porque a equipe não tinha dinheiro para bancar a viagem de seis horas de duração até Izmir.

"Estamos recebendo muito apoio moral mas quase nenhum apoio financeiro", diz Ozbar, a técnica do Marmara Universitesispor. "Não temos patrocinador, e por isso estou pagando do meu bolso as despesas do time". Ela acrescentou que "nossas jogadoras não consideram que o futebol seja uma profissão, porque elas ainda não têm como ganhar dinheiro com ele. Não conseguem vislumbrar o futebol como um modo de ganhar a vida".

Existem alguns sinais de esperança para o novo campeonato. Ainda que as equipes da primeira divisão tendam a representar as grandes cidades, mais liberais, há times femininos surgindo em lugares improváveis, entre os quais Hakkari, uma cidade da região sudeste, predominantemente curda e conservadora. Em Sakarya, uma cidade vizinha a Istambul, a seqüência de vitórias da equipe feminina local está levando torcida real ao estádio para suas partidas.

"Na Turquia, o maior poder é o do sucesso", diz Sinan Panta, 41, presidente do Sakarya Yenikent Gunesspor Kulubu, o time de Sakarya, que no momento lidera a primeira divisão do certame com 10 vitórias, um empate e uma derrota. "No nosso primeiro jogo, a torcida presente era de 100 pessoas. Mas quando começamos a ganhar mais jogos, logo passamos a ver torcidas de 2,5 mil a 3 mil pessoas em nossos jogos".

Para a próxima temporada, Panta diz ter obtido dinheiro suficiente para contratar um reforço na Nigéria, a meio-campista Onome Ebi, que defendeu a seleção de seu país na Olimpíada de Pequim, em 2008.

"As pessoas da cidade inicialmente não viam de maneira muito amistosa a idéia de que mulheres podiam jogar futebol, mas nós conseguimos derrubar essa resistência", disse Panta, ex-jogador de futebol profissional. "Atingimos aquele objetivo: fizemos com que Sakarya aceitasse o futebol feminino. Obtivemos sucesso em uma cidade muito conservadora".

No jogo entre o Kartalspor e o Gazi Universitesispor, uma mistura indefinida de homens e meninos curiosos estava presente no estádio, uma estrutura rústica e inacabada, de cimento, construída ao lado de uma rodovia movimentada. Também nas arquibancadas estava Selmin Odabas, mãe de uma jogadora do time da casa, Selin, uma veloz atacante de 20 anos de idade.

"No começo, não queríamos que a nossa filha jogasse", disse Odabas. "Estávamos preocupados com a possibilidade de que isso afetasse sua postura, seu caráter, até mesmo sua orientação sexual. Nós a inscrevemos para o vôlei, para o atletismo, mas nada bastou para impedi-la de jogar futebol".

À medida que a habilidade de Selin crescia - ela foi convocada para seleção nacional de futebol feminino -, a atitude da família ia mudando, conta Odabas. Ela apontou para um homem forte que estava gritando para incentivar as jogadoras do Kartalspor e amaldiçoando as adversárias. "Agora, o pai dela é um torcedor fanático", disse.
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