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Domingo, 05 de maio de 2024

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Uma história sobre uma província, uma vila e um fiscal

Arquivo Pessoal

O sol forte amanhecia a pequena vila de Damia, cuja sobrevivência baseava-se da fraca agricultura local e do correto pagamento dos pesados impostos da província. Quando posto sob análise o pequeno rendimento que era possível obter – mesmo economizando na quantidade de comida que era colocada na panela a fim de aumentar a venda –, associado com o retorno escasso dos impostos pagos, que, dizia o fiscal, a quantia paga servia para garantir a segurança aos moradores, não para criar burocracia, como escolas e hospitais, que precisariam de imposto maior para custear as obras, além de que os problemas de roubos que estavam ocorrendo nos últimos dias eram culpa da população de Damia, que eram animais sem sentimento de bem coletivo; criavam o resultado de miséria e um incômodo conformismo.

O líder local, o único que possuía alguma coisa do que seria um espírito de política primitiva, era responsável por ajudar as 52 famílias da vila quando pudesse. Naquela manhã, o sexto roubo de alimentos na semana o fez questionar se a vida seria sempre daquela forma.

Joaquim, que morava no final da rua dois, fora roubado durante a noite, sendo-lhe levado cinco sacas de trigo, dois porcos e a vida, quando uma faca atravessou-lhe o coração na tentativa de parar o criminoso. Morava e era sozinho, e não tardou muito até os vizinhos começarem a questionar de quem seria a pequena propriedade órfã.

Também não tardou muito para que o fiscal, que aparecia na vila todas as terças-feiras, ficasse sabendo do infortúnio. Assim, tomou-a para si, embora dissesse em palavras pomposas que era dever dele cuidar do bem sem herdeiro, e que o faria em nome da província e da ordem. Isso, é claro, tinha um preço: a ordem era entregue sob a quantia de cento e sessenta sacas de trigo, o que era equivalente a uns seis meses de imposto para os moradores de Damia. O imposto, contudo, servia como base de cálculo do valor da propriedade, mas não seria, sob hipótese alguma, abatido ou descontado quando a propriedade fosse comprada. Além disso, vale ressaltar que o imposto era cobrado por propriedade, não por família. Contudo – e a isso o fiscal dava quase toda a ênfase possível –, o comprador poderia parcelar o custo do bem.

"Ora, senhores, vejam bem: o preço é justo! O valor é devido ao investimento que será feito, já que o felizardo comprador passará a ter mais uma propriedade produtiva para lhe fornecer alimento! Não haverá fome a quem a comprar! A província ainda poder-lhe-á parcelar o justo valor, a fim de que não haja dificuldade para o pagamento".

Um dia, o líder foi conversar com o fiscal:
– Meu caro senhor, não poderia simplesmente dar às pessoas de Damia a propriedade? Ou o que dela fosse produzido?
– Percebo que o senhor não percebe o custo que a província possui para manter esta terra! Não estou pedindo valor absurdo, mas apenas o que ela causa de prejuízo.
– Mas senhor, ela não gastaria em vão se estivesse ocupada.
– Por isso a vendo.
– Mas não há ninguém que possa pagar por ela, meu senhor.
– Se não há ninguém que possa pagar pelo custo em mantê-la, como alguém poderia tê-la sem dela conseguir cuidar?

Não vendo como conseguir ganhar o debate e começando a concordar com o que o fiscal apresentara, embora se sentisse um pouco confuso, o líder voltou para casa, onde pôde sentar-se na cadeira da varanda, acender um cigarro e ficar olhando para a vila que tinha orgulho em cuidar.

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