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Sábado, 27 de abril de 2024

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Rapper indígena do Xingu fala sobre inspirações, letras, aldeia e perda de irmão

Foto: Reprodução

Rapper indígena do Xingu fala sobre inspirações, letras, aldeia e perda de irmão
Dor, realidade, lutas, cultura são alguns dos temas das músicas do grupo de rap indígena Nativos MCs. O integrante e fundador, Urysse Kuikuro, 18 anos, contou ao Olhar Conceito um pouco sobre sua vida na aldeia Afukuri, localizada no Alto Xingu, e seu trabalho. O rapper participou do Festival do Futuro, durante a cerimônia de posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no último domingo (1º), em Brasília.

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Nascido e criado na aldeia com toda a família, Urysse considera o local como sua raiz. O grande sonho dele é que as pessoas saibam de sua aldeia, território, cultura e língua. “Quero que as pessoas reconheçam os povos originários e a grande diversidade cultural do Brasil. Quem sabe assim passam a nos respeitar”, disse.

O jovem foi quem teve a ideia de formar o grupo de rap Kuikuro. Ele conta que quando criança sempre ouvia as músicas dos parentes, falando sobre suas realidades, culturas, lutas, etc. Além disso, ele também escutava muito canções de artistas não indígenas como Matuê, Sidoka, Filipe Ret, Quavo e Takeoff. Inspirado por estes artistas, ele então começou a fazer as rimas, o freestyle, junto com os primos da aldeia.

“O rap é muito fácil para a gente se comunicar, diferente dos outros estilos, onde podemos escrever sobre a dor, falar das nossas realidades, lutas, entre outros temas”, disse.

Inicialmente, o grupo era formado pelos primos Urysse, Macc JB, de 33 anos e Pajé Mc, 21 anos, que faleceu em agosto de 2022. Os rappers também fazem trabalhos em parceria com outros artistas indígenas, como a Kaê Guajajara e Kandu Puri.

“Agora estamos fazendo nosso próprio Trap, mesmo com dificuldades estamos seguindo na caminhada, firme e forte com os irmãos. A maioria dos não indígenas falam que a gente não pode cantar rap. Eles querem que fiquemos calados. Não estamos mais em 1500 e jamais vamos nos calar”, afirma Urysse.



O rapper completa ainda que não se importa com as falas de muitos não indígenas, como por exemplo, quando dizem que eles não podem ter celulares ou carros. Para ele, o movimento artístico acontece pois os indígenas conseguem alcançar um grande público, seja das aldeias ou não, e só assim conseguem apoio na luta.

A língua-mãe de Urysse é o Kuikuro, do tronco Karib, e está presente em todas as músicas do Nativos MCs, em uma mistura com a língua portuguesa. O principal motivo em usar o Kuikuro nas letras é mostrar que os indígenas continuam falando suas línguas.

“Falamos sobre os direitos indígenas, sobre território e a cultura, sobre todos os povos originários e a destruição das florestas, queimadas, os impactos que nos afetam e muito mais. Na música falo das realidades de todos os povos originários, não falo só do Xingu. Temos muitos parentes, de diversos povos, que vivem marginalizados, na miséria, e quem colocou-os nessa situação foi o próprio Estado”, relata o rapper.

Urysse, atualmente, está morando no Rio de Janeiro para seguir com os trabalhos e parcerias com outros artistas. É a primeira vez que ele sai da aldeia. “Quando eu terminar todo esse trabalho vou voltar para o meu território, onde é minha origem”.

As redes sociais têm cumprido um papel fundamental para ajudar os artistas a difundir o grupo. Na aldeia, eles possuem acesso à internet, possibilitando a conexão com o mundo exterior e a divulgação dos trabalhos. O Nativos MCs está presente nas plataformas digitais, como Spotify, Deezer e YouTube.

“Nossa inspiração é a causa indígena, e divulgar a nossa luta e cultura por meio da música, nossa realidade para as pessoas saibam dos povos indígenas. Queremos expor toda violência que nosso povo e demais povos do Brasil vem sofrendo desde a invasão em 1500. Representamos na forma de valorização, divulgar a nossa cultura e tudo mais, para chegar nas pessoas que não tem acesso. Quem sabe assim eles passam a respeitar e entender nossas realidades”, finaliza Urysse.



Perda do irmão

O integrante do grupo, Félly Kuikuro, o Pajé Mc, faleceu no dia 30 de agosto do ano passado, em decorrência de uma tuberculose, aos 21 anos. A perda precoce do jovem afetou toda a aldeia Akfukuri.

“Foi um momento muito difícil na nossa vida. Toda a aldeia ficou a abalada, na verdade, o Xingu inteiro sentiu essa perda. Perdemos ele no dia do meu aniversário, eu só o vi chegando em casa no caixão. Foi o pior aniversário da minha vida. Passei o dia inteiro chorando, muito desesperado. A saudade e a dor são infinitas. Em todos os meus aniversários, vou me lembrar dele, jamais vou me esquecer do irmão que está nos olhando de cima agora”, disse Urysse.

“Dói o coração, a alma e o corpo, mas com amor e a certeza que tivemos o melhor irmão do mundo, hoje dizemos adeus, até já. Descane em paz, irmão. Pajé Mc vive para sempre e nunca será esquecido”, completa.



Posse de Lula

Para o jovem, participar da programação da cerimônia de posse do presidente Lula foi um momento histórico, onde vozes indígenas cantaram pela primeira vez na posse de um presidente da República. Ele afirmou também que ficou muito emocionado no momento e chorou bastante, pois nunca havia imaginado que iria chegar em um palco tão grande, com um público imenso.

“Fiquei muito feliz por representar o meu povo e todos os povos originários desse país. Foi uma grande honra para mim. Cantamos em português porque tivermos que aprender a viver no mundo que nos rodeia, mas também cantamos em nossas línguas maternas, a língua dos nossos ancestrais. Cantamos nossas lutas, nossos conflitos, nossas dores. Cantaremos com a esperança de que esse governo irá nos ouvir e garantir nossos direitos à terra, à floresta em pé, à vida”, afirma.

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