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Terça-feira, 30 de abril de 2024

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Nova Jerusalém

Esquecidos pelo Estado, moradores que foram agredido pela PM só tem Post-it como documentação de seus lotes; Veja fotos

Foto: Stéfanie Medeiros

Esquecidos pelo Estado, moradores que foram agredido pela PM só tem Post-it como documentação de seus lotes;  Veja fotos
Aquelas pessoas já estiveram em todos os jornais, sites e canais de notícia da cidade. Primeiro foram os moradores do Jardim Humaitá, vítimas de agressão policial em uma desastrosa ação de reintegração de posse. Depois as manchetes concentraram-se nos ocupantes de uma área no bairro Bela Marina, que tiveram que sair pela mesma razão. Hoje, estão todos no assentamento Nova Jerusalém, um bairro dentro do Parque Atalaia, região do Coxipó. E o silêncio, que há um ano e três meses era inexistente, reina, junto à sensação de insegurança.


Leia mais: PM pede desculpa e moradores agredidos retornam ao Humaitá
Moradores radicalizam após reintegração e invadem ginásio

Ao verem uma pessoa estranha andando por aquela região, vão logo perguntando “a propósito de que?”. Estas são pessoas que já perderam a casa uma vez, já ficaram por dias acomodados em um ginásio esportivo e agora, quando finalmente possuem um terreno, não têm a documentação necessária, ficando suscetíveis, expostos e frágeis.

O medo de perder o terreno naquele lugar que consideram tão tranquilo impede-os de reclamar da falta de luz, água e esgoto próprios. O medo faz com que não reclamem do fato de que todas estes elementos básicos para moradia vêm de fora, arranjado por cotinhas feitas entre eles.


(Os moradores do Jardim Humaitá II, antes de serem realocados, passaram alguns dias abrigados na igreja do bairro)

Impede-os também de dizer que, por conta disto, não possuem endereço, as casas não são numeradas e, por isto, não recebem correspondência. E, mais que tudo, sentem arrepios só de pensar que ainda não são os proprietários de suas próprias casas, seja porque foram esquecidos, seja porque estão sendo guardados como álibi para o ano eleitoral.

Ao se aproximar desta parte de Cuiabá, a atmosfera muda. O Nova Jerusalém é o mesmo pedaço de terra que já se chamou Jardim Humaitá II, mas depois receberem do governador Silval Barbosa a garantia de ficarem com a área como forma de desculpa por terem sido agredidos e verem suas casas serem arrasadas. Mas os moradores resolveram mudar o nome do assentamento em busca de mais sorte. Meses mais tarde, acabaram tendo de acolher os moradores expulsos do Bela Marina em outra reintegração de posse.


(Os lotes reservador para a construção de uma praça encontram-se preenchidos pelo mato, sem nenhum sinal de que a praça irá ser feita)

Com seus salários de pedreiros, funcionários de frigorífico e faxineiras, os moradores constroem aos poucos suas casas. Na época em que foram para aqueles terrenos, onde o Governo do Estado começou processo de desapropriação, não havia casas, água, luz, asfalto, sistema de esgoto e coleta de lixo adequado. Mas tinham acabado de chegar, demoraria alguns meses para que o local se desenvolvesse, pensavam os moradores.

Um ano e três meses depois, as casas que ocupam os lotes são desiguais. Algumas estão prontas, possuem portão de ferro, caminhões ou carros estacionados por perto. Outras ainda são feitas de tapume de madeira, têm apenas um cômodo e porta improvisada. Mulheres lavam as roupas em máquinas ao ar livre. A água vem de uma mangueira comprada pelos moradores, que a puxava direto da rua, porque na véspera de ano novo, aquela região ainda não tem água, luz, asfalto, sistema de esgoto e coleta de lixo próprios.

Esta desigualdade estrutural das casas significa que cada morador, com o salário que possui, constrói o que pode. A ajuda prometida à época do assentamento nunca chegou. O espaço equivalente a quatro lotes reservados para uma praça no meio do bairro está preenchida por mato alto.


(Diferença nas casas: moradores constroem suas residências de acordo com o salário que recebem)

Os caminhos abertos, que formam as ruas, possuem sulcos e várias poças de água, lembrança da época vigente de chuvas. Ao redor, mato, pedra, alguns objetos que um dia pertenceram à mobília de alguém.

Sentados em tijolos depositados à frente de uma casa, estavam quatro moradores que vieram do Jardim Humaitá. Dois deles trabalham como pedreiros, um é ex-funcionário de um frigorífico e o outro era tão tímido que falou pouco mais de duas palavras, nenhuma delas contendo sua ocupação.

Apesar de faltar tantas coisas prometidas para o assentamento, a sensação que temos ao conversar com os moradores é de temor. Nenhum deles quis se identificar, aparecer em fotos ou ao menos falar a idade. Talvez seja o medo de perder o lote, ou talvez seja algo mais. O fato é que a documentação oficial de nenhum dos lotes chegou.

Enquanto um dos homens, o mais eloquente explicava isto, o mais velho, com rosto de expressão marcante, mexia no bolso. Pegou da calça um envelope de plástico, de onde tirou um papelzinho amarelo e redondo. Em um lado do papel, estava marcado a data: cinco de agosto de 2012. No outro, o nome do senhor e o lote que era seu. Sem interromper o colega, mas esperando educadamente que ele terminasse de falar, segurando aquele papel em mão, disse, na primeira oportunidade: “Eu não perco isto aqui por nada. É a única prova de que este lote é meu”.





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