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Segunda-feira, 29 de abril de 2024

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Mães de anjo

Conheça histórias e a dor invisível de mulheres que perderam seus filhos antes do nascimento

Foto: Arquivo pessoal

Mariana (esq.) e Amanda (dir.) perderam seus filhos com 32 semanas de gestação

Mariana (esq.) e Amanda (dir.) perderam seus filhos com 32 semanas de gestação

Foi um dia antes de completar 32 semanas de gestação que a veterinária de Rondonópolis Mariana Oliveira de Rosa, 26, teve uma das piores notícias de sua vida. Sem nenhuma complicação prévia, percebeu um sangramento e foi para o Pronto Socorro da Santa Casa de Misericórdia, em Rondonópolis, onde um exame de ultrassom não revelou os batimentos cardíacos de Luíza, sua primeira filha. A partir daquele momento, ela entrou para a dolorosa e silenciosa estatística de 15% das gestações que terminam com o óbito fetal no Brasil.

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Não houve explicação. Mariana optou por ter um parto normal, o que já queria antes, que foi induzido por remédios. Foram mais de doze horas de contrações dolorosas até o final do pesadelo. “Quando ela nasceu, o único choro que se ouvia era o meu”, diria, logo depois. Luíza foi velada e sepultada na presença de familiares e amigos, mas não dos pais, que permaneceram no hospital. Deste dia em diante, a mãe teve que lidar com um luto incompreendido por muitas pessoas.

Há sete anos, a publicitária Amanda Martins Fernandes, que passou grande parte da vida em Cuiabá, passou por uma história semelhante. Engravidou de Davi aos 23, um ano antes do que planejava ser mãe, durante uma troca de marca de anticoncepcional. Além dos enjôos, a gravidez não apresentou nenhuma complicação, até que, com 32 semanas, ela percebeu que o filho mexia muito pouco.

“Provavelmente já possuía algum problema que não descobrimos”, lembra. “Após fazer o ultrassom e ter a confirmação, esperei dois dias ainda com o bebê na barriga, pois precisei esperar o plantão da médica para fazer a internação. Tomei uma medicação na veia para induzir o parto, e após umas dez horas as contrações foram aumentando e ficando insuportáveis. Porém, a médica estava em casa esperando ser chamada. Até que não aguentei mais. Deitei e o bebê nasceu no quarto mesmo. Meu marido o segurou e entregou para enfermeira. Nesse momento eu apaguei. Só acordei depois da curetagem... foi uma situação muito traumática para todos que estavam presentes”.

Segundo a psicóloga e coach de Cuiabá, Cristiane Bianchi, 36, “a perda de um bebê dentro da barriga é tão dolorida quanto a perda de outro ente querido, pois envolve as expectativas, os sonhos criados, o amor desenvolvido ao longo do caminho”.

Cristiane, que também perdeu um filho, com doze semanas de gestação, explica que desde a descoberta da gravidez, a mãe começa a ter sonhos e expectativas, que são quebradas com a perda. “De repente, em uma ida ao médico ou em uma ultrassom, essa mulher descobre que aquele serzinho não está mais se formando, que não há mais sons dos batimentos daquele pequeno coração, que aquele bebê tão sonhado e desejado não está mais vivo, que nunca essa mãe saberá o sexo, saberá o cheirinho, pegará em seu colo. Com a perda desse bebê que nunca será conhecido perde-se também um pedaço dessa mãe. Pode ser que com essa perda, além do luto, virá também a angústia, as dúvidas do que aconteceu e até mesmo o sentimento de culpa”.

Apesar de a dor ser a mesma, o que essas mulheres encontram, muitas vezes, é a falta de empatia. “Estamos em uma realidade que as coisas são muito rápidas. Quando algo acontece, as pessoas ao nosso redor nos aconselham a ‘levantar, sacudir a poeira e continuar’. Às vezes olho a minha volta e até mesmo em mim e questiono: Porque não podemos chorar? Porque não posso ser vulneráveis, ficar em silêncio nesse momento? Porque tem que ser da forma que fulana se levantou? Cada pessoa tem seu ritmo, seu tempo para se reerguer, e quando compreendemos isso, paramos de pressionar o outro, deixamos passar pelo seu processo de luto, de sofrimento que é necessário para o amadurecimento humano”, completa a psicóloga. “E a principal forma de as pessoas lidarem com essa situação é respeitar a dor que ela está sentindo, dar relevância para essa dor. Só quem passa por esse processo é que sabe o quanto é dolorido ver seus sonhos se desfazendo de uma hora para outra. É permitir o processo de luto, se colocar perto, à disposição, dar muito amor e carinho e principalmente ouvir. Às vezes a pessoa não quer que falem nada a ela, apenas que a ouçam, que a deixem desabafar, falar, externalizar essa dor. Estar atento, afetivamente próximo e disposto a ouvir sem julgar”.

Mariana e o marido, Diego, durante a gravidez (Foto: Arquivo Pessoal)

Mariana sabe bem o que é isso. Em menos de dois meses desde a perda de sua filha, conta que já ouviu uma série de coisas absurdas, que não ajudam. “Coisas do tipo: ‘Você é nova, ainda pode ter outros filhos’. Como se um filho fosse substituído pelo outro. Não! Aquele filho que se foi jamais voltará. Jamais viveremos juntos novamente! Então dói a perda daquele filho, e ainda que tivermos dez, aquele que se foi ainda será lembrado e amado. Outra coisa é mensurar a dor pelo tempo de ‘vida’ de um filho. Por exemplo, ‘Ainda bem que foi na gravidez, imagina depois de nascido? Seria pior!’ Não! Filho é filho, e dói perdê-lo de qualquer forma, com qualquer idade, com quaisquer que sejam suas necessidades. Respeitem uma mãe que perdeu o filho. Seja uma perda gestacional, neonatal ou independente! Só quem passa sabe o tamanho da dor. Só nos resta a saudade do que nunca viveremos juntos”, desabafa.

Cristiane explica que o luto geralmente é vivido em diferentes fases: negação, raiva, negociação, depressão e aceitação. No entanto, essas fases não são iguais pra todo mundo e nem necessariamente ocorrem de maneira linear.

São elas:

A negação - Surge na primeira fase do luto, no momento que nos parece impossível a perda, em que não somos capazes de acreditar. A dor da perda seria tão grande, que não pode ser possível, não poderia ser real.

A raiva – A raiva surge depois da negação. Mas mesmo assim, apesar da perda já consumada negamo-nos a acreditar. Pensamento de “porque a mim?” surgem nesta fase, como também sentimentos de inveja e raiva. Nesta fase, qualquer palavra de conforto, parece-nos falsa, custando acreditar na sua veracidade.

A negociação – A negociação surge quando o individuo começa a pora hipótese da perda, e perante isso tenta negociar, a maioria das vezes com Deus, para que esta não seja verdade. As negociações com Deus são sempre sob forma de promessas ou sacrifícios.

A depressão – A depressão surge quando o individuo toma consciência que a perda é inevitável e incontornável. Não há como escapar à perda, este sente o “espaço” vazio da pessoa (ou coisa) que perdeu. Toma consciência que nunca mais irá ver aquela pessoa (ou coisa), e com o desaparecimento dele, vão com ela todos os sonhos, projetos e todas as lembranças associadas a essa pessoa ganham um novo valor.

A aceitação – Última fase do luto. Esta fase é quando a pessoa aceita a perda com paz e serenidade, sem desespero nem negação. Nesta fase o espaço vazio deixado pela perda é preenchido. Esta fase depende muito da capacidade da pessoa mudar a perspectiva e preencher o vazio.


Superação

Não existe fórmula mágica ou tempo certo para que a dor vá embora. Mariana, por exemplo, foi à procura de especialistas, voltou ao trabalho e a conversou com mães que passaram pela mesma coisa, além de ter recebido orações e mensagens de carinho de pessoas especiais. “E também, saber ou pensar que a Luíza jamais morrerá dentro de mim e será para sempre a minha filha”, afirma. Com tudo isso, no entanto, o luto não foi embora. “Na verdade, ainda vivo. Todos os dias dói. Todos os dias eu ainda choro”.

Para Amanda, foi o tempo e a presença de Deus. “Logo após entrei em depressão... Chorei por muitos dias e as lembranças pareciam momentos de terror pra mim. Cheguei a consultar com uma psicóloga, que por sinal foi muito pouco eficiente. Acho que nesse momento só mesmo o tempo e aproximação de Deus pra nos dar forças”.

“Existem várias sugestões de o que uma pessoa fazer para amenizar sua dor, como: Se permitir chorar, falar, permitir o luto, ler algum livro que alivie o sofrimento, voltar às atividades rotineiras, se afastar por um tempo das atividades rotineiras... Mas cada ser humano é único, cada um irá achar a sua maneira e seu tempo de se reerguer novamente”, explica a psicóloga. “Sempre digo que a mudança e a vontade de seguir em frente está dentro de cada um de nós. E sempre digo, se estiver doendo muito e não conseguir seguir adiante sozinha, procurar um psicólogo para auxiliar nesse processo é maravilhoso, pois ele poderá auxiliar na formulação do processo de luto”.

O apoio da família também é fundamental, mas Cristiane explica que a mãe precisa também entender que a dor sentida por outras pessoas – como, por exemplo, os pais – pode ser expressada de forma diferente. “Socialmente, as mulheres são mais autorizadas a externar seus sentimentos. Já os homens muitas vezes guardam para si, ou mantêm seus sentimentos mais escondidos. Cada pessoa reage de uma maneira diferente à perda”.

Do outro lado, as mães também sentem a necessidade de se expressar. “Gostaria de dizer que eu preciso viver isso. Que eu realmente sei que chorar não vai trazer a minha filha de volta. E não faço isso! Mas preciso chorar, pois sofro! Minha alma sangra de tanta dor. Se alguém me vir, que me abrace. Sem ao menos dizer algo... só abrace. Se quiser mandar uma mensagem de carinho, mande! Pois isso ajuda a me fortalecer”, afirma Mariana.

Hoje, sete anos depois, e com dois filhos, Théo, de cinco anos, e Estela, de dois, Amanda aconselha outras mães: “Entender que Deus tem um destino para cada um, e que aquele não era o momento certo para esse pequeno ser vir ao mundo. Nos referimos ao Davi como um anjinho que passou e continua em nossas vidas. Quanto à dor. é inevitável. E só mesmo o tempo para amenizar”.

Amanda, Theo (esq.) e Estela (dir.) (Foto: Roberta Cola)

Mariana, em seu primeiro dia das mães, pouco mais de um mês após perder sua filha, também sabe o que dizer: “Vivam o seu luto. Chorem! Chorar não torna ninguém mais fraco. Mãe é Mãe, independente de o filho estar presente. Ser Mãe é uma dádiva, quem dirá ser mãe de um anjo? Temos que nos apegar no amor para que seja sempre maior que a dor”, finaliza.

Mariana, um mês e meio depois da perda (Foto: Arquivo Pessoal)
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