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Sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

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(Re)pensando o sistema processual penal III

Autor: Reinaldo Rodrigues de Oliveira Filho

06 Fev 2013 - 16:01

Assessoria

(Investigação Criminal -1ª parte)

A investigação criminal traduz uma das mais importantes e complexas atividades prestadas pelo Estado. É por meio dela que o Estado desvenda a prática de ilícitos penais (crime ou contravenção), apontando o autor da infração, a materialidade delitiva e as circunstâncias presentes em determinado evento criminoso. Como toda e qualquer atividade estatal, a fase de investigação criminal deve primar pela observância dos princípios alinhados no art.37, caput da Constituição Federal de 1988, notadamente a legalidade, publicidade, impessoalidade e eficiência dos serviços e atos que nela são desenvolvidos. Significa dizer que os agentes públicos envolvidos na atividade investigativa devem, necessariamente, pautar sua atuação nos rigorosos limites impostos pela Constituição da República e legislação processual penal, sob pena de, adentrarem na tortuosa e perigosa esfera da ilegalidade e da arbitrariedade (exercício ilegítimo do poder) .

No sistema processual penal brasileiro quem protagoniza a quase totalidade das investigações criminais é a Polícia Judiciária (Federal e Civil), e o faz com lastro constitucional envergado nos art.144, §§ 1º e 4º da Carta da República (importante registrar que outros órgãos públicos estão autorizados a deflagar atividade investigativa, a exemplo das investigações capitaneadas pelas Comissões Parlamentares de Inquérito, Receita Federal, Banco Central e Ministério Público). E no exercício dessa autorização constitucional as polícias investigativas, por meio de autoridade devidamente constituída – Delegado Federal ou Delegado de Polícia Civil -, instauram os inquéritos policiais com vistas a apurar condutas penalmente relevantes. A grosso modo, o inquérito policial pode ser definido como o procedimento administrativo presidido por autoridade pública competente, composto de um conjunto de atos e práticas investigativas voltados a desvendar eventos delituosos (autoria e materialidade), reunindo elementos indiciários e/ou probatórios (destinados ao Ministério Público), suficientes a fundamentar o início da persecução penal em juízo.

Por se tratar de procedimento administrativo o inquérito policial deve ser conduzido dentro do balizamento constitucional imposto no art.37 da CR/88, ou seja, a legitimidade social desse poderoso instrumento é verificada somente quando a atuação estatal consegue demonstrar agilidade, qualidade e eficiência nos serviços públicos de natureza investigativa. Nesse contexto vale a indagação: O inquérito policial no Brasil atende o balizamento principiológico expresso na Constituição?

Em uma análise contextualizante a reposta certamente espelharia tom negativo, sendo pública e notória a insatisfação da população para com os serviços prestados pelos órgãos que atuam na esfera da segurança pública. No entanto, para além de respostas prontas e com vistas a desmistificar “verdades comodamente aceitas pelo senso comum”, cumpre aos atores jurídicos que atuam no cenário processual penal apontar as causas responsáveis pelas deficiências e as desastrosas consequências vivenciadas no atual panorama investigativo policial. A partir do diagnóstico perfilado resta por viabilizada a construção de soluções aptas a provocar uma melhoria no sistema – atualmente em colapso.

Alinhar pontos que impedem um investigação policial eficiente e de qualidade não é tarefa das mais difíceis. Para tanto, basta que você cidadão (de bem) seja brindado com um dia de experiência na condição de vitima de um crime (furto, roubo, estelionato e outros) e procure a autoridade competente para registrar a devida ocorrência. As deficiências estruturais veem à tona logo no momento em que a vítima se desloca a uma Unidade Policial (Delegacia de Polícia, Central de Ocorrências, CISCS, Plantão Metropolitano – o nome é o que menos interessa), geralmente distante do local em que ocorreu o delito; o drama é acentuado pela demora no atendimento (contingente reduzido de servidores – Delegados, escrivães, investigadores) dispensado nas Unidades Policiais (situação a gerar o que se denomina “cifra oculta ou negra”, traduzida numa grande quantidade de crimes não comunicados oficialmente aos órgãos de persecução penal); daí adiante o que se verifica é uma gritante letargia do “Poder Público Investigativo” em conduzir os inquéritos policiais até o seu regular desfecho, qual seja, a conclusão das investigações com a apresentação de relatório subscrito pela autoridade policial (o quadro é grave na medida em que se constata que a esmagadora maioria dos inquéritos policiais concluídos são aqueles com indiciado preso).

Em contraposição aos problemas enfrentados, estão em andamento algumas inovações voltadas a aperfeiçoar o sistema processual, notadamente na busca de maior qualidade e eficiência do inquérito policial, dentre as quais se destacam: a implementação do sistema informatizado (via internet) de registro de ocorrências policiais (denominado “boletim virtual”); a tramitação direta dos inquéritos policiais entre a Polícia Judiciária Civil e o Ministério Público; o acesso, via internet, aos laudos oficiais elaborados pela Polícia Oficial e Identificação Técnica (POLITEC); o projeto de tramitação virtual e digitalização dos inquéritos policiais em fase de construção no Estado de Mato Grosso.

Em que pese a adoção de medidas salutares ao bom e regular andamento dos inquéritos policiais, muito se tem a fazer para atingir o padrão de excelência no serviço público de investigação. Para tanto não basta apenas propor alterações legislativas e superficiais, mas sim desintegrar o modelo arcaico e burocratizado de fazer Segurança Pública, superando paradigmas no enfrentamento do tema a ponto de priorizar a destinação e o gerenciamento de verbas públicas ao setor – como também deveria ocorrer nas áreas de saúde e educação -, tudo dentro de um macro planejamento de combate à criminalidade.

* Reinaldo Rodrigues de Oliveira Filho. Promotor de Justiça no Estado de Mato Grosso. Mestre em Direito pela Universidade Estadual Paulista – UNESP. Professor da Universidade de Cuiabá.

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