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Domingo, 28 de abril de 2024

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TJMT: 139 anos de história

Dentre os onze tribunais criados pelo Decreto nº 2342, de 6 de agosto de 1873, ainda na Era do Brasil Império, nasceu o Tribunal, hoje, de Justiça do Estado de Mato Grosso, no dia 1º de maio de 1874.

Sua composição inicial contava com quatro desembargadores (portugueses, por sinal, e formados pela heptacentenária Universidade de Coimbra), todos nomeados pelo Imperador.

De lá para os dias de hoje, o então Tribunal da Relação passou por transformações, até porque, nesse interregno, o país mudou sua forma de governo, passando de império para república e, com isso, sua estrutura de poder assumiu o modelo republicano tripartite, tendo o Judiciário como uma das pilastras, com autonomia frente aos dois outros: o Executivo e o Legislativo.

O fato de completar mais um ano, avançada sua idade para perto dos 140 anos, faz deste Tribunal, mais que centenário, sujeito e, ao mesmo tempo, testemunha de sua história. Seus arquivos, vivos ou mortos, guardam, silentes, discretos, recolhidos, histórias gloriosas, por vezes e, por outras, nem tanto.

Mais de um século fazem seu tempo memorial. Por seus corredores, quanta história! Quantos por eles transitaram, julgados ou não! De qualquer modo, pelo sim, pelo não, merece este Tribunal comemorar o tempo que já venceu...

Em honra da importância de seu papel junto ao corpo social, gostaria de prestar-lhe uma breve reverência, sobretudo pela independência que deve ter.

Nada obstante, e ainda que alguns países conservem-se monárquicos, como é o caso da Inglaterra, o estado moderno, fruto do processo civilizatório, sustenta-se no equilíbrio dos poderes constituídos.

Bem a propósito da Justiça e da lei, a insigne e recém-falecida ex-Primeira Ministra Margaret Thatcher, em certa ocasião, ao ser provocada a manifestar-se, em uma entrevista, acerca de seu entendimento em torno do que chamava de capitalismo popular e a forma de alcançá-lo, assim se expressou:

O voto de poucos passou a ser o voto de todos. Vivemos sob o império da lei e sempre tivemos juízes capazes de dizer ao monarca: “Não há nenhum homem acima do rei, mas este está abaixo de Deus e da lei”.

Na mesma oportunidade, ao ser indagada a respeito do espaço destinado ao bem-estar da população, em face das prioridades governamentais estabelecidas, visando ao equilíbrio dos gastos públicos, do controle da inflação, da estabilidade da moeda e das privatizações, respondeu:

Os objetivos principais da sociedade na qual acredito são a liberdade, a justiça e a livre iniciativa. Nada disso pode ser obtido fora do império da lei e sem um Judiciário independente. (Grifei).

Valendo-me dessa sua fala, assevero que, por este Tribunal, já passaram inúmeros homens honrados e de grande cultura, como aqueles que ainda existem em suas hostes, símbolos de independência, paladinos da lei e da justiça, e que dedicam, ou dedicaram, sua vida em prol da construção e do aperfeiçoamento deste Judiciário, a serviço da sociedade e da prestação jurisdicional. Confundem-se eles com a tradição histórica desta instituição.

Neste momento, contudo, faço especial destaque para dois desses grandes homens que fazem parte da história desta instituição e, pessoalmente, tive o privilégio de conhecê-los.

Pelo critério da maior proximidade, começo pelo ínclito e preclaro Desembargador aposentado deste Tribunal, JOÃO ANTÔNIO NETO: de um lado, ex-advogado, magistrado da melhor cepa, figura proeminente de homem público, impoluto, de inquestionável honradez; e, de outro, intelectual de invejável cabedal, poeta, historiador, pensador, crítico literário, ex-presidente da Academia Mato-Grossense dos Magistrados, e emérito mestre, dotado de cultura rara e de inesgotável capacidade de trabalho.

Professor de várias gerações, desinteressado das frivolidades do sucesso pessoal, amigo, estimulante para o valor alheio, curioso do pensamento de tudo que envolve a cultura, no Desembargador João Antônio Neto, habitam todas as virtudes: sabe ser silencioso ou reticente, diante das manifestações de debilidade e, ao mesmo tempo, afirmativo e encorajador, diante de qualquer manifestação de valor.

Abrigando em si o magistério e a magistratura, Sua Excelência reúne, com seu forte pendor poético-literário e admirável maestria, ao pé da letra e com absoluta propriedade, o correto e o direito, tudo sob a chancela de seu incomensurável talento de grande pensador de genuíno goiano-mato-grossense contemporâneo.

Em seguida, desvelando ainda as proeminências deste Judiciário, volto os refletores para a figura do insigne Tabelião do Cartório do 2º Ofício de Notas desta Capital, Dr. LUÍS-PHILIPPE PEREIRA LEITE, importante bastião do Foro Extrajudicial de Mato Grosso que, durante vinte anos, foi Diretor da Revista do Instituto Histórico e Geográfico, e faleceu aos 83 anos, em 1999.

Figura ímpar e de destaque, pela singularidade de sua trajetória de vida, que poderia ter sido trágica, mas, por sua imensa capacidade de superação da adversidade, o Dr. Luís-Philippe - como é de sabença geral, por uma doença irreversível, perdeu a visão ainda jovem -, com a sabedoria que só uma inteligência privilegiada consegue acumular, paradoxalmente, soube criar formas de ser profissional competente numa atividade, cujo exercício exigia também acuidade visual.

Em incontáveis oportunidades, (inclusive, em certa ocasião, pude presenciar e testemunhar), demonstrou um domínio tal das informações e das atividades que desenvolvia, a ponto de, por exemplo, localizar um dado livro, deitando mão em um arquivo, ou, ainda, atender telefone, prestar informações etc, com tamanha desenvoltura, que tudo se passava como se sua carência da visão fosse compensada por um mecanismo sobrenatural que o conduzia, fazendo-o conviver naturalmente com a cegueira que nele se instalou, de modo que com ela passou quase a totalidade de sua vida adulta e profissional.

A esses dois mestres, minha reverência e mais que merecidas homenagens, por ocasião do aniversário deste Tribunal!

Melhor epílogo não haveria, para encerrar esta homenagem, do que as palavras, de raríssima felicidade e de soberana sabedoria, da lavra do insigne Desembargador JOÃO ANTÔNIO NETO, com as quais brindou a tantos quantos por este Sodalício passaram e, para a posteridade, hão de ecoar, incrustadas que estão no espaço que lhes foi especialmente reservado e, por isso, também permanecerão para além do tempo histórico, como marca indelével desse grande homem:

Aqui, perante estas barras se chanfram e esboroam vaidades e ufanias inglórias ou se erguem ressurrectas a humildade, sem injúria, a dignidade, sem nódoas e a virtude, sem ultrajes.
Dentro deste calmo quadrilátero, quantos poderosos têm andado de rastros, conduzindo suas armas e alfaias, e quantos pequeninos passaram, carregando nas mãos limpas sua insignificante funda de Davi!

Des. João Antônio Neto.




Outono de 2013.
Des. Márcio Vidal,
Vice-Presidente do TJMT,
Ex-Corregedor-Geral de Justiça,
Ex-Diretor da ESMAGIS-MT.

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