No dicionário: "Consolidada":
Adjetivo - Consistente, sólido; firme; seguro; estável. Nos corredores da Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional Mato Grosso (OAB-MT), o oposto: “negociado sobre o legislado”. Parece
jurisdiquês, mas afeta a vida do trabalhador e do burguês de uma forma que poucos imaginam. Com a aprovação do Projeto de Lei (PL) 6.787/2016, que trata da reforma trabalhista, tudo será discutível: flexibilização de férias, salários, diminuição de direitos, etc. As palavras do patrão deixarão de assentar, apenas, sobre pressuposta autoridade moral, para assumir autoridade legal. O acordo entre quatro paredes (e quase sempre pouco cortês), entre empregado e empresa terá força de lei. “Os tempos são sombrios para o direito do trabalho”, afirmam, categoricamente, os advogados. Pior, “tem gente querendo acabar com a justiça do trabalho”. Isso somada a uma reforma previdenciária, não nos esqueçamos.
As previsões ainda são difusas, mas os temores são grandes e a pressa, ainda maior, pois ao que tudo indica, a PL 6.787/2016 da "Reforma Trabalhista" deverá ser votada (e aprovada) na Câmara dos Deputados já na próxima semana, sendo encaminhada, posteriormente, para o Senado e, por fim, para as mãos do presidente Michel Temer, ainda neste semestre.
Para discutir estas questões,
Olhar Jurídico conversou com Diego Fernando Oliveira, Presidente da Comissão do Direito Sindical da OAB-MT, Marco Aurélio dos Anjos, representante da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas (ABRAT) e Marcos Avallone Pires, Presidente da Comissão do Direito do Trabalho.
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Marco Aurélio dos Anjos, representante da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas – ABRAT adiantou-se ao debate, apontando posição contrária a reforma trabalhista. “A ABRAT tem sim um posicionamento sobre a reforma trabalhista, fizemos recentemente uma assembleia para discutir estes assuntos e viemos para a audiência pública expor nossa posição contrária a esta reforma proposta. É uma reforma que na verdade veio para suprimir direitos, precisamos lutar bastante para que estas forças que estão querendo aprovar sejam impedidas de implementar esta modificação na legislação trabalhista.
Sobre o que mais lhe preocupa, é uníssono: o negociado sobre o legislado. Explica. “A partir do momento que você tem uma Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) que estabelece o mínimo necessário para os trabalhadores, em termos de direito, ou seja, o mínimo do mínimo do existencial para aquele trabalhador, e você flexibiliza isso, ainda, à ponto de negociar, entendemos que o trabalhador será a parte hipossuficiente da relação e será prejudicada nesta situação. Em um momento de crise econômica simplesmente a empresa pode chegar ao trabalhador para dizer ‘olha, a gente flexibiliza determinado tipo de direito ou a gente vai te demitir’. Este tipo de proposta vem à calhar para o empresariado. Em um momento de crise, que começou pela terceirização, passa para a reforma trabalhista e passa, por fim, pela reforma da previdência. Os tempos são, efetivamente, sombrios para a advocacia trabalhista e o direito do trabalho”.
Diego Fernando Oliveira, Presidente da Comissão do Direito Sindical da OAB-MT considerou inadmissível que a Ordem não debata a possibilidade de empresas se sobreporem à legislação trabalhista. “Com o negociado sobre o legislado, você passa a ter um acordo de convenção coletiva abaixo tão somente da Constituição, e vemos isso com bastante cautela, principalmente a OAB por ser defensora do Estado democrático de direito e das normas. Você dar esse grau supralegal para os acordos de convenção coletiva é complicado, é muito difícil você fazer isso sem passar por um crivo, como é feito no Congresso Nacional, com suas câmaras temáticas, votações e discussões”, afirma.
O representante da Comissão ainda problematiza os efeitos da reforma. “O setor empresarial, diante de tantas leis, ainda assim burla. Em determinados setores, determinadas empresas, há uma burla com relação às legislações trabalhistas, imagina agora, aonde vai se flexibilizar e precarizar? Defendemos a sociedade e estamos discutindo. O que a sociedade entender e prevalecer, a OAB também estará ao lado do povo brasileiro”.
Sobre a crise financeira, os reinterados ataques à classe trabalhadora pela nova gestão do Executivo Nacional e as reformas por ela impostas, o advogado avalia. “A reforma trabalhista e previdenciária vieram em um ponto onde estava instalada uma crise política no país, esta crise acabou afetando a economia. Agora estão dizendo que o trabalhador é quem corroborou para este rombo na previdência, até mesmo na diminuição dos empregos. Ao contrário, o trabalhador é o mais frágil nesta situação, onde em momento algum ele foi ator, participe nisto aí, foi uma crise política que acabou se elastecendo para a economia. Nós sabemos que não existe trabalhador sem empresa e empresa sem trabalhador, uma precisa da outra, ambas as classes caminham de mãos dadas, a partir deste momento o Brasil passará a crescer e será gigante como era”.
“Eu não falo sobre a administração Michel Temer, Dilma ou outras administrações que já passaram. Falo sobre política de governo, e hoje ela está clara. Até mesmo o presidente da Câmara dos Deputados manifestou que a justiça do trabalho deveria acabar. Isso é inadmissível. Um presidente do Congresso vir falar que uma justiça precisa acabar, que é preciso acabar com a justiça. Em um Estado democrático de direito isso é inadmissível, não podemos deixar que isso aconteça. Temos que melhorar as situações, para o trabalhador e para as empresas, para que todos trabalhem em regime ganho-ganha, para que todos saiam satisfeitos nesta relação”, concluiu Diego Fernando Oliveira.
Para o Presidente da Comissão do Direito do Trabalho, Marcos Avallone Pires, existe um risco real de botarem em xeque a necessidade da justiça do trabalho. “É fato: tem gente querendo acabar com a justiça do trabalho. A gente viu no ano passado, os tribunais quase fecharam em nossa região, o Tribunal só tinha verba para até outubro e tiveram que fazer malabarismo para que conseguissem chegar adiante. A presidente foi obrigada a emendar feriado, deu ordem para que o Tribunal desligasse ar-condicionado às 14h, fazendo audiências sem ar-condicionado, para que conseguisse o Tribunal, com a verba que tinha, terminar o ano passado. Essa questão de querer acabar com a justiça do trabalho é fato no Brasil. A preocupação é que esse pessoal que está fazendo esse movimento possa estar colocando algo por trás deste projeto (reforma trabalhista)”, avaliou.
Sobre a reforma trabalhista em cima, avalia que o projeto é benéfico, embora represente risco de quebra de direitos trabalhistas. “O projeto, a princípio, é bom, com pontos bons, mas com pontos que poderão trazer problemas para o futuro. Essa questão mesmo do ‘negociado sobre o legislado’, por exemplo, um acordo coletivo que prevaleça sobre aquilo que a lei diz. Os pontos que estão no projeto até que não são ruins, porém, nada obstante que, uma vez passada essa lei, futuramente venha outra lei, até mais simples, ampliando estes direitos que possam ser objetos de negociação. A preocupação paira nesse ponto”.
Para o advogado, o fim da justiça do trabalho é interessante para figuras obscuras da política e da economia. “O que se vê é um movimento de parte do legislativo querendo acabar com ela. O que levou essas pessoas a terem esse comportamento, eu não sei, desconheço. Isso deixa a gente a imaginar que seriam os maus empregadores, que estão lesando direitos dos empregados, e em razão disso estão sendo condenados e pegaram ojeriza pela justiça do trabalho”.
O relatório do Projeto de Lei (PL) 6.787/2016, que trata da reforma trabalhista, deverá ser apresentado à Câmara dos Deputados na próxima quarta-feira (12). Até o momento, a proposta já recebeu 844 emendas em 13 pontos. O relator da PL, o deputado Rogério Marinho (PSDB/RN), determinou a criação de uma força-tarefa para se debruçar sobre as propostas. A equipe deverá trabalhar, neste fim de semana, neste fim de semana. A medida visa aprovar a proposta o quanto antes, impondo, sem debate público profundo, a proposta do presidente Michel Temer (PMDB).
Dentre as principais mudanças trazidas pela PL 6.787/2016 às regras da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) está a possibilidade de flexibilizar as negociações entre patrão e empregado, garantindo que acordos coletivos se sobreponham à legislação. Na prática, o patrão poderá renegociar parcelamento de férias, mudanças na jornada de trabalho e alterações salariais, desconsiderando o que diz a lei.