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Quarta-feira, 04 de dezembro de 2024

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Haitiana denuncia Padaria do Moinho por situação análoga à escravidão e injúria racial

Foto: Danilo Bezerra / Olhar Direto

Padaria do Moinho

Padaria do Moinho

A haitiana Najeda Redon, 23, denunciou a Padaria do Moinho, onde trabalhou por cerca de sete meses, por coação moral, injúria racial, assédio moral no trabalho e situação de trabalho análoga à escravidão. Vivendo no Brasil há cerca de um ano, ela – e outros funcionários da comunidade haitiana – vinha sofrendo com o tratamento inadequado dentro do local de trabalho, até quando foi demitida, no dia 12 de junho, dois dias após ser personagem de uma matéria do Olhar Conceito (veja AQUI) em que falava sobre seu sonho de ser modelo.


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A desconfiança de Najeda, que trabalhava como atendente de caixa, é que os proprietários da padaria não queriam que ela chamasse atenção para o que acontece ali (apesar de, na matéria, ela não falar de sua situação de trabalho e nem citar o nome da empresa).

Ela conta que, desde que foi admitida no estabelecimento, foi submetida a diversas regras inadequadas, como por exemplo não poder usar o banheiro ou beber água fora de horário determinado e ser proibida de comprar qualquer produto da loja. Ela ainda era repreendida quando falava com algum cliente e era obrigada a usar um crachá que dizia que ela não falava português (por mais que fale). Também foi proibida de trabalhar com o cabelo trançado, tinha que sorrir o tempo todo e era vetado o uso celular dentro da área da padaria, inclusive no vestiário, que segundo a denúncia, é monitorado por câmeras.





“Teve uma vez que eu trancei o cabelo e fui trabalhar, mas para isso eu prendi em coque, tudo certo. Chegando lá, eles me chamaram para a salinha lá em cima e me mandaram tirar, falaram para não aparecer mais lá assim”, lembra.

A injúria racial apresentada no fato de obrigar as funcionárias a tirar as tranças do cabelo (este fato aconteceu também com outras colegas de Najeda) não é isolada. A haitiana conta que já foi chamada de “fedida”, e já ouviu os gerentes dizerem para outra funcionária, de Várzea Grande, que ela “não tinha capacidade para trabalhar ali e não teria para trabalhar em nenhum outro lugar”.

Depois de ser demitida após a reportagem, Najeda não aceitou assinar os papeis – que diziam que ela estava sendo mandada embora com justa causa – e procurou uma advogada. Na sequência registrou boletim de ocorrência. Foi só quando ela foi até o local acompanhada de Ana Affi, que a representa juridicamente, que o tom da conversa mudou, ela conta.

“A matéria saiu no sábado, domingo eu estava de folga e na segunda-feira, hora que eu cheguei para trabalhar, já me disseram para subir. Chegando lá, me falaram que eu não era mais parte da empresa, e que eles já tinham duas testemunhas para assinar a justa causa, apesar de eles afirmarem que estavam me mandando embora porque a conta de luz estava alta”, narra.

A advogada de Najeda conseguiu reverter a justa causa e fazer a empresa pagar o que devia à funcionária, como a multa rescisória e as horas extras. “Quando ela chegou até mim, parecia um passarinho machucado, não sabia o que fazer. Depois que saímos de lá, seus olhos brilhavam”, conta.

Na denúncia no MPT, ela afirma que “lamenta profundamente os acontecimentos, que já deixaram marcas incuráveis em sua dignidade, e, que, espera que providências sejam tomadas tão logo possível, tendo em vista que a coletividade, em que pese silente, com medo das represálias, não continue sendo alvo do trato desumano”.

Outras denúncias

A denúncia de Najeda foi registrada no Ministério Público do Trabalho (MPT) de Mato Grosso. No mesmo órgão, já foram feitas outras quatro denúncias contra o mesmo estabelecimento, sendo que três delas foram arquivadas e uma resultou em Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que, só por esta nova denúncia, já está em descumprimento.

O TAC foi firmado em um inquérito civil, após denúncia de desrespeito à jornada de trabalho. Nele, foi determinado que a padaria deveria garantir o equipamento de proteção individual dos funcionários, conceder descanso semanal de 24 horas, intervalo para repouso, conceder um período mínimo de onze horas de descanso entre duas jornadas de trabalho e não prorrogar a jornada normal para além do limite legal de duas horas.

O estabelecimento emprega em suas dependências 35 haitianos, de acordo com a direção. “Além de haitianos tem cubanos, africanos, e pessoas de outros estados, como o nordeste. Eles não gostam de empregar pessoas de Cuiabá”, comenta Najeda.

Na denúncia, ela explica que “a maioria, senão 100% dos haitianos, têm sido tratados em total afronta aos Direitos Humanos e demais consectários legais”. Najeda também percebeu que a padaria prefere que seus funcionários não fiquem mais de um ano trabalhando ali, e, conforme o tempo de casa aumenta, eles “fazem de tudo para a pessoa ir embora”. Dentre essas atitudes está: marcar atrasos que não existem, chamar a atenção por coisas pequenas e ser rude. 


Depois de perceber que a padaria marcava atrasos inexistentes, Najeda passou a guardar todos os papeis de ponto (Foto: Arquivo Pessoal)

Vale avisar que a empresa não tolera faltas e sempre desconta dois dias da pessoa quando ela não vai um. “Teve uma vez que eu estava passando muito mal, porque tinha comido berinjela sem saber, e sou alérgica. Fiquei trabalhando três horas, até que não aguentei mais e pedi para ir embora. No dia seguinte, eles me chamaram e falaram que eu teria dois dias descontados”.

Dentre outras coações, os haitianos também são proibidos de falar em criolo (língua nativa) entre si ou de conversar em francês com os clientes. “Temos que falar português o tempo todo, e se a gente conversa em outra língua eles sempre vem perguntar o que nós falamos”.

“É inconcebível que 129 anos após a abolição da escravidão, ainda sejamos coniventes com a total afronta, não só aos negros, mas sim a todos os que ainda sofrem com o desrespeito aos ditames que balizam os Direitos Humanos e, principalmente, nossa Lei Maior - A Constituição Federal. É sempre imperioso e de bom alvitre não olvidar, que somos todos iguais perante nossa Lei Pátria. Aliás, além da questão legal, temos uma questão moral. Todos merecem ser tratados com respeito, retidão e humanidade", lamenta a advogada Ana Affi.

Outro lado

Contatado pelo Olhar Jurídico, o proprietário da Padaria do Moinho, Mário Urbano, afirmou que não tem conhecimento de nenhuma situação de injúria racial ou trabalho análogo à escravidão em seu estabelecimento e que, na verdade, eles são uma das únicas empresas que emprega haitianos em Cuiabá.

“Hoje nós temos trinta e cinco haitianos empregados na padaria, e ano passado, no final do ano, eram vinte. Às segundas e quartas, quando tem entrevista de emprego, metade dos candidatos são haitianos. Se isso acontecesse aqui, não teria tanta gente”, afirma.

Segundo Mário, os haitianos começaram a pedir emprego na empresa e, prontamente, os proprietários foram até a pastoral que os acolhe para entender o que estava acontecendo. “No início a gente ia até lá pra pegá-los e contratar, mas hoje não precisa, porque eles vêm aqui”.

O empresário ainda explicou que eles treinam os funcionários, e que atualmente estão empregados: 2 cozinheiras; 1 salgadeira; 1 fishman; 1 saladeira; 1 cozinheiro; 1 operadora de caixa e 2 pessoas na manutenção. “Nós contratamos essas pessoas, pagamos cursos de português, de computação, contratamos um tradutor para ajudá-las, temos todos os documentos traduzidos, e se eles têm alguma dúvida nós sempre os acompanhamos até a pastoral”, afirma.
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