O advogado especialista em Direito Constitucional, Almino Afonso, garantiu que não há nenhuma previsão legal nos pedidos de “intervenção federal” que têm marcado as manifestações que ocorrem no Brasil desde o dia 30 de outubro. Para o jurista, resta claro o caráter antidemocrático dos protestos e evidente, ainda, o desconhecimento dos próprios manifestantes em relação às pautas reivindicadas.
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“Intervenção federal é feita nos estados e municípios, pra garantir o cumprimento de algumas normas estabelecidas na Constituição. Não existe intervenção federal na própria União, porque a União é que é o ente federado. Então, me parece no mínimo contraditório. O que eu tenho observado é que as pessoas realmente desconhecem quais são as pautas reivindicadas, na medida em que colocam intervenção federal como sendo algo que encontra abrigo no arcabouço jurídico. Muito longe disso, não há nenhuma hipótese prevista na Constituição que admitiria uma intervenção federal neste caso, porque a União não vai fazer intervenção nela própria”, argumentou o advogado.
Segundo a Constituição de 1988, em seus artigos 21 e 34, “compete à União (...) decretar o estado de sítio, o estado de defesa e a intervenção federal (...)”, nos estados e no Distrito Federal em sete situações específicas: “coibir grave comprometimento da ordem pública; manter a integridade nacional; repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da federação em outra; garantir o livre exercício de qualquer dos poderes nos estados; reorganizar as finanças nos estados em algumas hipóteses; garantir o cumprimento de lei federal, ordem ou decisão judicial; e assegurar a observância de princípios constitucionais sensíveis”.
A medida, quando adotada, depende de decreto do presidente da República e aprovação do Congresso Nacional e deve especificar a amplitude, o prazo e as condições da intervenção.
O artigo 142 da Constituição Federal, geralmente citado para defender os pedidos de intervenção, não autoriza ou legitima uma intervenção militar. A função das Forças Armadas, de acordo com esse dispositivo, é defender a pátria e a garantia dos poderes constitucionais, ou seja, do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. No rol de atribuições também está a garantia da lei e da ordem a pedido de um desses poderes, mas nunca de forma a um controlar o outro – muito menos por meio da força -, sob pena de ofensa ao princípio da separação dos poderes.
“A Constituição faz a previsão dos direitos fundamentais. O que me parece que estão buscando nessas manifestações é restabelecer um estado ditatorial. É uma manifestação difícil de compreender, porque fala-se muito em intervenção federal, mas as hipóteses de intervenção federal estão previstas nos artigos 21 e 34 da Constituição e, em nenhum desses casos, o que estão pautando as manifestações está contemplado ali. Dentro do estado democrático de direito não há outra saída, outra solução, além das já instituídas pelo próprio ordenamento jurídico constitucional, pra que as pessoas possam buscar de forma violenta ou até mesmo mediante ameaça fazer com que se restabeleça um regime militar no País”, pontuou Almino Afonso.
Na terça-feira (8), o presidente nacional do PL Valdemar Costa Neto falou pela primeira vez sobre o assunto e disse que o partido não reconhece o resultado da eleição. Segundo ele, a sigla aguarda o relatório de auditoria do Ministério da Defesa para decidir se irá ingressar com alguma ação na Justiça no sentido de pedir anulação do resultado das urnas.
Até agora não há nenhum indício de irregularidade no processo eleitoral, conforme atestaram órgãos de investigação do governo brasileiro, como a Polícia Federal, e observadores internacionais.
O Ministério da Defesa foi convidado pela Justiça Eleitoral para integrar a Comissão de Transparência criada para acompanhar as eleições deste ano. Pressionado pelo presidente Jair Bolsonaro, realizou uma espécie de fiscalização independente das urnas eletrônicas. A expectativa é de que esse relatório seja entregue ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nesta quarta-feira (09).