Em parecer encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF), o procurador-geral da República, Paulo Gonet, pede que sejam declarados inconstitucionais diversos trechos da Lei n° 14.701/2023, que instituiu o chamado marco temporal para a demarcação de terras indígenas. A norma prevê que os indígenas só têm direito ao reconhecimento e demarcação de seus territórios, se comprovarem presença física nessas áreas em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.
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A lei também flexibilizou o uso das terras indígenas tradicionalmente ocupadas, ampliando a possibilidade de exploração econômica dos territórios por não indígenas e afastando a necessidade de consulta prévia a essas populações, o que fere normativos internacionais e jurisprudência do STF. A norma foi publicada em dezembro do ano passado, três meses após decisão da Suprema Corte no Recurso Extraordinário 1.017.365/SC, que derrubou a teoria do marco temporal.
A manifestação do PGR foi enviada na quinta-feira (11) na Ação Cível Originária n. 1.100/SC, que envolve a disputa pela Terra Indígena Ibirama La-Klãnõ, de Santa Catarina. No parecer, Gonet sustenta que a Lei n° 14.701/2023 trouxe inovações em relação ao Decreto n. 1775/1996 – que regulamentava as demarcações – contrariando o entendimento consolidado pela Suprema Corte sobre o tema.
Para o PGR, trechos da norma também afrontam a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O normativo internacional prevê a consulta livre, prévia e informada dessas populações sempre que for tomada alguma medida pelo Poder Público que afete os povos originários.
No parecer, Gonet pede que seja concedida liminar para suspender com urgência vários artigos da Lei n° 14.701/2023, até que o caso seja julgado pelo plenário do STF, diante do risco para inúmeras demarcações em andamento no país. No mérito, requer que os trechos sejam anulados definitivamente, por contrariarem o direito dos indígenas à posse permanente e ao usufruto exclusivo de suas terras, previsto na Constituição Federal.
Ocupação
Os pontos da lei que possibilitam a ocupação, o domínio, a posse e a exploração de terras indígenas e das riquezas nelas presentes por terceiros não indígenas também são questionados pelo PGR. Segundo ele, a Constituição Federal prevê a necessidade de lei complementar para regulamentar o tema, não admitindo lei ordinária com esse fim.
Gonet também pede a anulação de trechos que impedem a ampliação de áreas indígenas já demarcadas, autorizam a permanência de posseiros - até a conclusão do procedimento de demarcação – e prevêem o pagamento de benfeitorias aos ocupantes de boa-fé. Há ainda artigos que autorizam a exploração turística do território e impedem a cobrança pelo trânsito e a permanência de não indígenas nas áreas.
O PGR questiona ainda alguns pontos que criam obstáculos para os procedimentos demarcatórios, como as regras que determinam a adequação dos processos de demarcação de terras indígenas em andamento.
(Com informações da assessoria)