Ainda na infância, Estefania Lima Gonçalves, de 34 anos, descobriu a paixão pelo skate. Mas também foi com pouca idade que ela entendeu a desigualdade com relação aos espaços disponíveis para homens e mulheres no esporte. Moradora do bairro CPA 4, em Cuiabá, ela costumava ir "remando" no skate até o Ginásio Verdinho, para treinar as manobras e, já no trajeto, ouvia frases machistas que afirmavam que "seu lugar" era em uma cozinha.
Mesmo quando chegava na pista de skate do Verdinho ainda era difícil para Estefania encontrar o próprio espaço. Dia após dia, ela via meninas da idade dela desistindo do esporte por conta dos comentários machistas, assédio e outros tipos de violência. Quando começou a andar de skate, ela tinha apenas 13 anos.
Hoje, através do coletivo Divas Skateras, criado por ela quando tinha 18, Estefania consegue oferecer espaço para que outras meninas da idade que ela tinha na época não desistam do esporte. Apesar da realidade machista que precisou enfrentar, Estefania não desistiu e construiu a rede de apoio que precisava de conhecidos outras skatistas espalhadas pelo Brasil através da internet.
"Era difícil até para ter acesso a internet, mas um dia fui em uma lan house e descobri um site que mudou minha vida: o Skate para Meninas. Tinha uma sessão em que as meninas deixavam seus contatos e eu comecei a ver os nomes que estavam mais próximos de mim, em Campo Grande, Goiânia. Naquela época eu não tinha dinheiro para ir a esses lugares, mas fui conhecendo meninas que me davam força para não desistir".
A amizade entre Estefania e as outras skatistas foi crescendo, até que ela resolveu criar uma comunidade no finado Orkut para que todas pudessem conversar. A página chamada "Amigas da Fani" foi o começo do Divas Skateras, mas ela confessa que, aos 18 anos, não tinha noção que estava criando um coletivo.
Estefania queria apenas se conectar com outras skatistas e encontrar o espaço que lhe estava sendo negado na pista de skate em Cuiabá. Ela conta que a rede de apoio começou a fortalecer sua autoestima como skatista, sentimento compartilhado pelas outras meninas que participavam da troca de ideias virtual.
"Não foi nada intencional, na época a gente nem ouvia falar sobre coletivos como ouvimos hoje. Estava montando algo ali que eu nem sabia direito o que era. Pedi para essas meninas gravarem vídeos e me mandarem, mas também era difícil ter acesso a uma câmera. Era uma forma de darmos um rolê juntas".
Estefania encontrou site com contatos de meninas skatistas e criou grupo no Orlut com rede feminina. (Foto: Arquivo pessoal)
Divas Skateras Parte 1
Na edição de dez minutos, Estefania juntou vídeos de dezenas de meninas fazendo manobras em pistas de skate espalhadas pelo Brasil. O material foi publicado no perfil do Divas Skateras do YouTube, em 2010, e teve mais duas sequências. Mais de 330 mil pessoas assistiram a primeira parte do vídeo.
Através da conexão virtual que construiu com outras skatistas brasileiras, Estefania entendeu que o mesmo problema que ela enfrentava em Cuiabá era vivido por elas. Ela constatou que o machismo era o principal fator de desistência no skate feminino da época. Com a publicação do Divas Skateras Parte 1 mais e mais meninas chegaram até o coletivo.
“Acho que esse era um dos maiores fatores de desistência das meninas, porque na cabeça dos caras a gente estava indo para a pista para ver eles andando. Não respeitavam a vez de uma menina fazer uma manobra. Quando soltamos isso na internet outras meninas viram, acharam legal e foram chegando mais. Foi crescendo assim”.
Estefania lembra que antigamente os campeonatos de skate não tinham categorias femininas e, quando ela queria competir, precisava disputar com os homens. Para ela, o esporte ganhou popularidade com a skatista Rayssa Leal (conhecida como “Fadinha do Skate”) e com a entrada da modalidade nas Olimpíadas.
“Lembro de um campeonato que participei, que não tinha categoria feminina porque não tinham mulheres suficientes. Mas como queria participar, decidi que ia competir com eles e não fiquei em uma colocação ruim. Ouvia muitos questionarem como uma menina tinha ficado na frente deles. Acontecia muito isso”.
Além do machismo no esporte, Estefania ressalta que, como o skate era algo visto com maus olhos pela sociedade, muitas vezes não recebia incentivo dos pais para seguir na modalidade. Cenário diferente do visto por ela atualmente.
“Nunca me proibiram, mas nunca senti aquilo de 'vai lá, filha', como temos hoje que os pais levam as meninas e pagam instrutores para ensinar. É uma diferença brutal. Antes nem tinha esse boom de instrutores, a gente aprendia na pista sozinha. Agora elas treinam para ter alto rendimento. Então, se hoje o skate é legal, muitas meninas lá atrás passaram por vários perrengues e muitas desistiram no caminho, infelizmente”.
Recorde de meninas menores de 12 anos em competição
No último sábado (19), o Divas Skateras realizou uma competição feminina na Arena Pantanal e Estefania descreve a alegria do evento ter quebrado o recorde de inscrição de meninas menores de 12 anos. Para ela, faltam palavras para descrever a alegria de saber que, agora, elas conseguem encontrar o próprio espaço no esporte.
“Meu start para andar de skate foi ver outra mulher andando, então quanto mais eventos conseguimos fazer é melhor, traz mais adeptas. Fico muito feliz, porque antes a gente nem podia pensar nisso, ainda mais morando em Cuiabá. Para viver de skate era um sonho longínquo. Hoje essas meninas já têm essa possibilidade de sonhar e realizar”.
Atualmente, Estefania é vice-presidente da Federação Mato-grossense de Skate, que está ligada à Confederação Brasileira de Skate. De acordo com ela, criação da entidade em Mato Grosso foi um passo extremamente importante para valorização dos skatistas regionais.
“Sou de uma época que era tudo muito escasso e ainda não deixa de ser com relação a pista e apoios para as coisas acontecerem, é sempre muito difícil, mas já tivemos uma fase pior. Agora que está tendo essa visibilidade, temos que aproveitar para tirar nossos projetos do papel”.
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