Olhar Jurídico

Sábado, 27 de abril de 2024

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O abuso do direito pelo consumidor

O tema relação de consumo é latente, e com ele os entendimentos jurisprudenciais, a legislação e seus efeitos, positivos e negativos.

Tem-se certo que o Código de Defesa do Consumidor trouxe conforto e proteção ao consumidor, porém, o que acontece, em alguns casos, é a manifesta abusividade do consumidor, e para este não existe nenhum órgão de fiscalização.

Se o consumidor adquiriu determinado produto e está insatisfeito com sua qualidade ou desempenho, imediatamente procura a garantia de fábrica a fim de sanar o suposto vicio. Assim, sanado eventual vicio pela garantia, não há que se falar em produto com defeito.

Porém, não generalizando, mas acontece em determinados casos, em que o consumidor ouve um amigo falar, um parente comentar, que ação de indenização por dano moral em relação de consumo, em juizado especial, é bom para “ganhar uma graninha”, popularmente falando.

Sim, ações interpostas nos juizados especiais não têm custas, e até 20 salários mínimos tem a figura do advogado dispensada. Se por um lado foi criada a oportunidade ao consumidor, de boa fé, a ter seu direito de consumidor respeitado, por outro se abriu uma oportunidade ao enriquecimento ilícito.

Cobra-se muito das empresas os princípios como da boa fé objetiva, da lealdade e da confiança.Agora se questiona: esses princípios são cobrados e aplicados ao consumidor? Ou se confunde essa abusividade apenas como o direito de ação?

Infelizmente, o que se verifica nas ações em juizados especiais, quando o consumidor não tem direito ao que foi pleiteado, é apenas a improcedência da ação, porém, não se invocacomo fundamento da decisão que o consumidor está excedendo o direito de ação, violando princípios como boa fé objetiva, lealdade e confiança.

Destaca-se como exemplo dessa manifesta abusividade exercida pelo consumidor, uma decisão recentepor um dos Juizados Especiais de Cuiabá, onde um magistrado, sem se atentar ao que regulamentaa Lei dos Juizados Especiais - 9.099/95, em especial no disposto no artigo 51, inciso II, deveria extinguir o feito sem julgamento de mérito, por não ser cabível prova pericial, porém equivocadamente tal pedido foi apreciado e concedido, afrontando claramente a lei, tendo em vista a concessão de tutela antecipada.

É claro que a decisão foi no mínimo precipitada e perigosa, pois ao conceder a tutela antecipada para a substituição em 03(três) dias do cambio de um veículocom mais de 04(quatro) anos de uso, sob pena de multa diária, impossibilita a empresa de verificar por meio de provas técnicas se o defeito foi causado pelo mau uso, que é excludente de responsabilidade pelo próprio Código de Defesa do Consumidor, artigo 12, §3, inciso III.

Ressalta-se que por se tratar de relação de consumo, a inversão do ônus da prova é concedida pelo próprio CDC, porém por se tratar de juizado especial e não se permitir produção de prova técnica, foram violados osprincípios do contraditório e da ampla defesa, pois como poderá a concessionária comprovar mau uso por meio de perícia técnica se incabível em juizado especial? Como irá exercer a defesa se é limitada?

A boa fé deve ser imperiosa para fornecedor e consumidor, pois, sabendo que há a inversão do ônus da prova na relação de consumo, e incabível produção de prova pericial em juizadoespecial, como pode advogado em causa própria ingressar com pedido em foro incompetente e o magistrado conceder tal tutela? Quem observou os limites da Lei 9.099/95?

São decisões, como essa, que faz questionar quem fiscalizará as abusividades manifestamente exercidas pelo consumidor, e quem os punirá.Quanto ao magistrado, podemos ainda recorrer ao CNJ e a Corregedoria do Tribunal de Justiça.
Infelizmente a úni
ca punição para aquele que ingressa com ação para obter vantagem indevida, é litigância de má-fé prevista nos artigos 16 e 17 do Código de Processo Civil, com pagamento de multa de 1% sobre o valor da causa, o que não é inibidor para os aventureirosjurídicos, pois além de ser ínfima, raramente acontece.

Portanto, o princípio da boa-fé objetiva está associado ao princípio da moralidade e ambosdevemser respeitados, não apenas pelo fornecedor, mas também pelo consumidor, sob pena de distorção da lei, parcialidade e enriquecimento ilícito.

Daniela Garcia é advogada no escritório Mattiuzo  & Mello Oliveira - Advogados Associados

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