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Segunda-feira, 14 de outubro de 2024

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Recuperação judicial é mecanismo de superação

Folha de pagamento e fornecedores em atrasos constantes, cobranças, execuções, ausência de capital de giro, desequilíbrio nas operações comerciais, dívidas vencidas e a vencer. O que fazer diante de um cenário tão adverso? A recuperação judicial das empresas que se encontram em dificuldades financeiras é atualmente regulamentada pela lei 11.101/2005 (Nova Lei de Falências), que tem dentre outros objetivos manter ativa a empresa cujos números representam condições reais de permanência no mercado.

Além de ser promovida pela própria devedora em crise, a citada lei representa a última remanescente opção dada ao empresário que por força dos mais variados fatores - falta de planejamento financeiro, de reserva de caixa, auto endividamento, mau lucro gerado, empresa familiar, falta de incentivo do governo – se encontra diante do risco iminente de falir.

Para inicialmente se valer dos benefícios da lei é necessário o preenchimento de alguns requisitos, todos objetivos, em que, uma vez presentes, deverá o magistrado condutor do processo de recuperação deferir o seu regular processamento que, por sua vez, seguirá tramitação normal, rumo à aprovação ou não do plano a ser apresentado.

Dentre os principais requisitos cumpre destacar que a lei exige a regular constituição da empresa recuperanda por mais de dois anos. Deste modo, pode se extrair que poderá fazer uso deste instituto somente o “empresário”, quer sociedade empresária, empresário individual de responsabilidade limitada ou ilimitada ou até mesmo a empresa de responsabilidade limitada a “eireli”, podendo fazer uso também o produtor rural regularmente inscrito na Junta Comercial.

Em situações de crise, quando se percebe que o “pulmão financeiro” da empresa não vai bem, não são raras as vezes em que empresários recorrem à prestações de serviços especializados na área de gestão e planejamento financeiro, contudo, na maioria das vezes, em contextos onde a gravidade instalada parece não ter mais volta.

A busca de dinheiro novo normalmente atrelado a altas taxas e vencimentos cronologicamente inadequados à situação fática do empresário são alguns sinais de comprometimento de sua atividade econômica e desatino total na condução do seu próprio negócio. Neste momento tem início os protestos de títulos, execuções e uma infindável gama de medidas judiciais e extrajudiciais, todas promovidas por credores vorazes que buscam sedentos a satisfação de seus créditos, o que não poderia ser diferente num país de sociedade capitalista.

Assim, a elaboração da referida lei tem por escopo garantir a atividade que, ainda apesar dos percalços enfrentados no setor, se apresenta totalmente viável, com reais condições de superação, de modo que, se assim não o fosse, a falência seria o desdobramento natural.

O propósito da lei, aquilo que se pode extrair da sua própria exposição de motivos, vem claramente estampado em seu artigo 47, que estabelece que a recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

Nota-se que por ser mais flexível, a referida lei favorece o empresário mais do que a antiga e já revogada concordata preventiva, que por suas dificuldades peculiares, não raras vezes conduzia a empresa à falência. Diferentemente na recuperação judicial, o plano para pagamento das dívidas partirá do próprio devedor, que analisando suas reais condições e capacidade financeira, apresentará uma proposta de pagamento de suas dívidas, sendo esta submetida ao crivo de seus credores, que poderão aceitar ou não. Havendo concordância dos credores estar-se-á diante de um novo negócio jurídico, agora com a participação e chancela do Poder Judiciário.

Necessário ainda se chamar a atenção para o aspecto social da lei que garante ao empresário legalmente constituído há mais de dois anos a possibilidade de manter sua atividade empresarial na sua plenitude, o emprego de seus trabalhadores e, por fim, o pagamento de todos os seus credores, sendo esta necessariamente a ordem cronológica estabelecida pela própria lei: empresa – trabalhadores – credores.

Trata-se de processo multidisciplinar em que várias expertises (conhecimento jurídico, contábil, econômico e financeiro) somadas buscam um único objetivo: recuperar a empresa em dificuldade financeira e dar a ela reais condições de permanecer no mercado. A lei não estabelece prazo nem faz referência a amortizações, deixando por conta do empresário a proposta de um plano que possa efetivamente alcançar o objetivo estampado no art. 47, que representa o alicerce maior da própria lei.

É fato que o Instituto da Recuperação Judicial revela-se como mecanismo de suma importância às empresas que se encontram em dificuldades financeiras e que pretendem equacionar seu passivo, transmudando-se possivelmente no seu último “fôlego” de sobrevivência.

Apesar de seus aspectos positivos, trata-se de instituto relativamente novo (2005), devendo, portanto, seus reflexos externos serem esclarecidos diante de cada caso concreto, sendo ademais prudente por parte do profissional que patrocina os interesses do seu constituinte cumprir com o seu dever de orientá-lo acerca de todos os riscos envolvidos no processo, inclusive o de vê-lo convalidado em falência, caso não veja aprovado o seu plano de recuperação apresentado.

A lei veio em boa hora. Apesar de algumas vozes que se levantam em seu desfavor, trata-se de medida de proteção ao empreendedor, dando a ele a oportunidade de um recomeço. Neste particular, vale destacar que o Brasil não contempla uma política nacional de incentivo ao setor empresarial, ao contrário, sua política tributária acaba por refletir seriamente na expansão e sobrevivência de qualquer empresa, independentemente do seu porte, deixando sempre o empresário inebriado e iludido quanto às verdadeiras políticas de incentivos.

Flávio Furtuoso é advogado no Furtuoso Advogados Associados
flavio@furtuoso.adv.br

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