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Sexta-feira, 17 de maio de 2024

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Supostas conversas

Juiz entra com ação contra advogada que teria usado nome dele em negociação de decisões

Foto: Marcus Vaillant/Reprodução

Juiz entra com ação contra advogada que teria usado nome dele em negociação de decisões
O juiz Flávio Miraglia Fernandes, que atua na Vara de Falência e Recuperação Judicial de Cuiabá, entrou com uma interpelação judicial contra a advogada Cláudia Regina Oliveira Santos Ferreira, que é esposa do juiz Marco Aurélio dos Reis Ferreira - aposentado compulsoriamente por envolvimento no escândalo da maçonaria -, por ela supostamente ter usado seu nome para negociar decisões judiciais.


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O processo corre desde outubro do ano passado e se deu após uma reclamação ingressada contra ele, pelo empresário Gilberto Eglair Possamai, em 2015, no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Na ocasião, o empresário anexou supostas conversas mantidas no aplicativo WhatsApp entre Cláudia Ferreira e Jorge Zanete, dono da Darling Harbour, empresa que tinha interesse em arrendar a Fazenda São Lucas, pertencente a Cotton King.

Em uma das mensagens, a advogada teria pedido R$ 3 milhões para dar continuidade ao processo e garantir o arrendamento. Os valores seriam divididos da seguinte forma, ainda conforme a conversa: R$ 1 milhão para “o juiz”; outro milhão para o “juiz da Cotton” e o restante para divisão entre os intermediadores.

“Quando soube que ingressaram com este pedido, imediatamente procurei meu advogado. São pessoas estranhas a mim, que não têm nenhum acesso, citando meu nome. Por isso, decidimos pela interpelação judicial, para que ela diga se isto é verdade ou não, para depois ingressarmos com uma medida criminal e/ou civil”, esclareceu o juiz em entrevista ao Olhar Jurídico. Conforme Miraglia, o processo não andou porque a juíza da vara responsável foi transferida.

Sobre a venda do terreno citado, que seria arrendado posteriormente, o juiz disse que: “Gilberto adquiriu um terreno na justiça do trabalho. Depois, três juízes do trabalho verificaram irregularidades neste processo e tomaram medidas judiciais para não concretizar esta venda. Entre outros pontos, a venda de 10 mil hectares de soja foi concluída por R$ 17 milhões, sendo que aquilo ali deve valer R$ 100 milhões”. O arrendamento da área foi feito, mas cancelado cinco dias depois, já que a empresa não teria feito o pagamento de três meses adiantado, como determinou Miraglia.

“Quando declarei a falência da Cotton King, determinei que todo o patrimônio fosse reunido no processo, entre eles esta fazenda. Não mandei vender, alienar ou tirar. A venda não foi anulada. O Gilberto poderia ter vindo em juízo e dizer que comprou a área. Mas ele preferiu já entrar com uma reclamação contra esta decisão minha, que no final das contas preserva o patrimônio para os credores. A falência está vigente até hoje, não houve contestação”, acrescentou Miraglia.

O magistrado diz não ser possível afirmar que a conversa apresentada por Gilberto é verdadeira: “Não posso dizer que isto aqui é verdadeiro, qualquer um pode digitar estas coisas no Word. Quando você quer comprovar uma conversa, vai no cartório, pede ao cartorário para transcrever ou tira o print e assina. Entrei com interpelação pois a doutora Cláudia, supostamente, fala que tinha de dar dinheiro para o juiz da Cotton e do trabalho”.

Ao todo, são mais de 50 páginas de transcrição: “Esta é uma cópia ridícula, absurda de um Word. Tudo para tentar provar que houve pagamento para atos ilícitos. As conversas são desconexas. Quatro da manhã ela diz que está saindo do escritório para ir despachar no Fórum, chega a ser comédia a falta de cuidado até para criar este documento. Nem os horários batem”, salienta o juiz.

“Nas conversas, a advogada faz crer que tinha algum tipo de influência sobre mim. A suposta conversa é uma comédia. O que existem são duas pessoas alheias ao meu convívio. A suposta venda de influência é absurda. É a mesma coisa que você entrar aqui agora, sair no corredor, ligar para alguém e dizer que está tudo certo, que pode passar o dinheiro que eu vou aprovar o que for em 10 dias. A chance de acontecer é de 50%. Não existe empate no judiciário”, explicou Miraglia.

Por fim, o juiz ainda ressalta que procurou saber sobre os envolvidos e que encontrou “diversos processos contra estes senhores, inclusive um já foi até preso. Não dá para falarmos que são pessoas totalmente inidôneas”. A interpelação também será utilizada pelo magistrado no Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD), ao qual responde sob a acusação de ter cometido dezenas de irregularidades na condução da ação de falência da empresa que atua no ramo têxtil.

Outro lado

A reportagem do Olhar Jurídico tentou entrar em contato com a advogada, porém, as ligações não foram atendidas.

O caso

A advogada Cláudia Regina Oliveira dos Santos Ferreira, esposa do juiz Marco Aurélio dos Reis Ferreira, aposentado compulsoriamente por envolvimento no escândalo da maçonaria, foi apontada pelo empresário Gilberto Eglair Possamai por supostamente atuar em um esquema de venda de sentenças em Mato Grosso. A denúncia foi feita ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a ministra Nancy Andrighi, corregedora nacional de Justiça. determinou a abertura de procedimentos investigatórios no Tribunal Regional do Trabalho e no Tribunal de Justiça de Mato Grosso.

Também são investigados os juízes do Tribunal Regional do Trabalho Paulo Roberto Brescovici, Nicanor Fávero e Emanuele Pessati e o juiz da Primeira Vara Cível de Cuiabá, Flávio Miraglia Fernandes.

Após suposto descumprimento de parte do “acordo” por um dos interessados, Miraglia teria reconsiderado uma decisão favorável aos supostos beneficiários do “esquema de venda de decisões”, fato que teria levado um destes – o subarrendatário Jorge Zanetti – a relatar a Possamai toda trama engendrada para impedir sua imissão na posse do imóvel arrematado, inclusive lhe transmitindo mensagens de celular e áudios/gravações que comprovariam as negociações.

Interpelação judicial

Interpelar significa pedir explicações, esclarecimentos. A interpelação judicial é o pedido de esclarecimento feito via citação ou notificação judicial. Por exemplo: determinado político, durante um debate, expõe um caso em que não fica claro se faz uma acusação ou se apenas emite uma opinião. A pessoa teoricamente acusada ou mesmo interessada na questão pode pedir a interpelação judicial do político, ou seja, pedir que ele seja notificado judicialmente para explicar o que quis dizer com sua fala durante o tal debate.

Aposentadoria de Marco Aurélio

Marcos Aurélio é um dos sete juízes e três desembargadores mato-grossenses envolvidos em suposto desvio de verbas e materiais de construção do Fórum de Cuiabá, além de favorecimento de licitação e tráfico de influência, maior parte em favor da maçonaria. A irregularidade teria causado rombo de R$ 1,5 milhão aos cofres do Tribunal. O juiz aposentado é filho do desembargador também aposentado e envolvido no esquema José Ferreira Leite. Este último era Grão-Mestre da entidade maçônica em 2003, período em que também era o presidente do TJ.
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